terça-feira, 22 de março de 2016

O menino e o mundo

O FILME DE ANIMAÇÃO DIRIGIDO POR ALÊ ABREU, “O MENINO E O MUNDO” GANHOU UMA NOTORIEDADE RARA ENTRE NÓS, BRASILEIROS, NÃO SÓ PELA PREMIAÇÃO INUSITADA DO ANNIE AWARDS DESTE ANO (UM PRÊMIO BEM IMPORTANTE A NÍVEL MUNDIAL PARA FILMES DE ANIMAÇÃO) E DE TER OBTIDO MENÇÃO ESPECIAL DO JÚRI NO FESTIVAL DE OTTAWA MAS, PRINCIPALMENTE PELO FATO DE TER SIDO INDICADO AO OSCAR NA CATEGORIA DE MELHOR ANIMAÇÃO (BEST ANIMATED FEATURE FILM OF THE YEAR). ALÉM DO BELÍSSIMO TRAÇO DO FILME CONSTATEI QUALIDADES (QUE SÃO MUITAS) E DEFEITOS (QUE SÃO POUCOS) EM SUA PARTE MUSICAL. A UNIDADE, FRENTE A ESTILOS TÃO DIVERSOS, É A GRANDE CONQUISTA DESTA TRILHA SONORA. EXPONHO MINHA OPINIÃO SOBRE ESSE BELÍSSIMO FILME AQUI NA MINHA COLUNA!

** Por Maestro Osvaldo Colarusso


Técnica do “Leitmotiv” e outros recursos mágicos
Acima: O saudoso percussionista Naná Vasconcellos (falecido dias atrás), GEM (Grupo Experimental de Música) e os Barbatuques.


O aspecto musical mais facilmente memorizável é a melodia singela tocada numa flauta doce que no filme o pai toca para o menino ao se despedir. Aquela melodia que o menino até acredita capturar em uma velha latinha é deformada diversas vezes durante o filme, na incansável busca da criança por seu pai. O sonho do reencontro se reflete na distante recordação, muitas vezes incompleta, daquela simples sequência de notas. Um outro personagem que também toca flauta doce utiliza uma melodia parecida, mas o menino sabe que aquele não é seu pai: a melodia é outra. Neste aspecto, o filme usa aquilo que chamamos em composição musical de “Leitmotiv” ou, em português, “motivo condutor” – termo muito associado ao compositor alemão Richard Wagner.

A música original do filme foi composta por Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, e percebemos em diversos momentos as mágicas sonoridades que o saudoso percussionista Naná Vasconcelos obteve de um vasto leque de instrumentos. Mas não há dúvida que o “GEM – Grupo Experimental de Música” acaba dando o verdadeiro contorno sonoro que se relaciona diretamente ao desenho. A criatividade sonora do grupo, com a utilização da percussão e sintetizadores, parece mesmo tornar som as imagens caleidoscópicas do desenho. Outro achado é o grupo Barbatuques, notável conjunto experimental brasileiro (que utiliza sons extraídos do corpo humano sem instrumentos), dá um aspecto onírico às festas populares que o personagem principal do filme presencia. Da singela melodia da flauta doce, aos sons inusitados de sintetizadores e os ritmos extraídos do corpo vemos um único fio condutor, uma unidade vitoriosa. Num filme que abre mão de palavras não há a menor dúvida de que uma trilha sonora de qualidade é mesmo um instrumento indispensável para a empreitada. Neste aspecto, a trilha sonora de “O menino e o mundo” está mesmo num nível raramente atingido por
um filme brasileiro.


O Rap que destoa e os créditos falhos
Acima: O rapper Emicida e o flautista Helcio Muller


Não há dúvida que colocar no filme um nome de grande popularidade como Emicida, um dos mais famosos brasileiros dedicados ao hip-hop e ao rap,torna o trabalho mais atrativo. Mas, no caso, há uma enorme contradição entre o que se passou em todo o filme com a sequência final. Retratando a visão da criança em idade pré-escolar, as palavras nas placas e anúncios se tornam sinais indecifráveis. Mesmo as palavras trocadas por outros personagens são incompreendidas por nós e pelo menino. A inocência de seu olhar torna-se a grande qualidade do trabalho. No final do filme Emicida passa de trator na inocência da criança usando um texto óbvio. Não só pela primeira vez no filme ouvimos alguma palavra inteligível como pela primeira vez no filme ouvimos algo musicalmente previsível. 

Outra falha que considero grave do filme tem a ver com os créditos. Se há alguém a destacar na parte musical é o flautista Helcio Muller, que executa de maneira ideal as melodias pensadas para flauta doce. Nem na ficha técnica do filme,que é exibida no site do mesmo, seu nome aparece. Só descobri quem era o flautista vendo lentamente os créditos finais da película onde aparece seu nome. Uma injustiça, pois não há dúvida que o flautista assume uma parte importantíssima nesta bela trilha sonora.

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* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo. 
** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.





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