Débora Halász – Talento brasileiro tipo exportação
* Por Heloísa Godoy Fagundes
https://www.instagram.com/heloisagodoyfagundes/
http://digital.maven.com.br/pub/revistakeyboard/?flip=acervo
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VENCEDORA DE INÚMEROS PRÊMIOS, DENTRE
ELES, O TROFÉU APCA E O GRAMMY LATINO, DÉBORA HALÁSZ, PIANISTA BRASILEIRA RADICADA
NA ALEMANHA HÁ QUASE 30 ANOS, ESTÁ ENTRE AS PRINCIPAIS PIANISTAS
LATINO-AMERICANAS DA ATUALIDADE. A REVISTA KEYBOARD BRASIL TRAZ, ALÉM DA
MATÉRIA, UMA ENTREVISTA EXCLUSIVA!

Conquistou
vários concursos nacionais, como o Sul
América e o Chopin. Aos 15 anos, fez sua estreia nos palcos junto à Osesp - Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo após vencer o concurso de Jovens Solistas. Aos 19 anos, recebeu da
Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) o prêmio de melhor solista do
ano com o concerto para piano n.º 3 de Rachmaninoff.
Após
fazer bacharelado em Direito na Universidade
de São Paulo (USP), a pianista ganhou uma bolsa do DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdients (Serviço Alemão de
Intercâmbio Acadêmico) para se aperfeiçoar na Musikhochschule de Colônia com Pavel Gililov.
Ao
longo de sua carreira, a artista tem se apresentado em festivais e séries de concertos
por diversos países da Europa, Estados Unidos, Ásia e, também, na América
Latina. Radicada na Alemanha há quase 30 anos, Débora Halász é docente na Hochschule für Musik und Theater de
Munique.

Desde
1993, forma com o marido, o alemão Franz
Halász, um duo de violão e piano, o Duo
Halász. Em 2015, o Duo recebeu o Latin Grammy na categoria de Melhor Álbum
de Música Clássica pelo cd “Alma Brasileira”, dedicado à obra de Radamés
Gnattali.
Atualmente
Débora Halász faz parte do time de talentos da ¹Virtuosi Produções Artísticas.
ENTREVISTA...
Revista Keyboard Brasil – O que
significa a música para você?
Débora Halász – A
música, desde a minha infância, sempre foi parte da minha vida. Eu diria que
ela praticamente determinou o andamento das coisas porque, desde cedo, eu me
acostumei a dedicar um tempo significante a ela. Enquanto outras crianças
brincavam na rua ou meus amigos, mais tarde, aproveitavam as férias viajando,
eu passava este tempo estudando piano, me preparando para concursos ou
concertos. É como se ao lado do mundo "normal"
eu coexistisse em um mundo aonde os sons musicais e o convívio com meu
instrumento produzissem outras emoções, dessem outras asas aos pensamentos,
estimulassem outras ideias, imagens, me fizessem companhia, me dessem conforto,
soluções ou novas perguntas. E tantos anos viajando neste universo musical,
sobretudo tendo a sorte de tocar um instrumento aonde o repertório é desta
riqueza e dimensão inesgotáveis faz com que eu não saiba, talvez, me definir
sem considerar a música que habita dentro em mim. Naturalmente, existem
inúmeras outras coisas que me fascinam
na vida, no planeta e no convívio com outros seres e eu poderia
imaginar, sem grandes problemas, uma vida sem o exercício da música como
profissão, mas ela continuaria pulsando dentro das minhas células e
influenciando minha consciência.

Débora Halász –
Meus avós paternos eram húngaros. Meu avô tocava violino e minha avó piano, mas
como hobby. Chegaram a tocar em cinema mudo no início de vida aqui no Brasil
para ganhar algum dinheiro. Meu avô materno era músico profissional mas ele
faleceu antes de eu nascer. Com minha avó, a que tocava piano, eu tive uma
convivência forte e ela me ensinava músicas populares húngaras no piano e
vários chorinhos. Ela tocava os Choros de Zequinha de Abreu e Ernesto Nazaré de
forma extraordinária. Eu esquecia do tempo ali. Ela tocava e eu repetia.
Aprendia muitas coisas de ouvido porque das músicas húngaras ela não tinha
partituras. Eu tinha sete, oito anos e tinha um repertório enorme de chorinhos
por causa dela. Ela também tocava acordeom, cantava, dançava. Talvez tenha sido
importante experimentar a música assim na infância desta forma tão prazerosa e
alegre.
Revista Keyboard Brasil – Quais suas
lembranças musicais mais antigas? O que se ouvia?
Débora Halász – São
as aulas de piano que minha irmã recebia. Eu tinha uns três ou quatro anos e
ficava ouvindo e olhando as aulas pela fresta da porta. Também tínhamos uma
vitrola grande, um móvel, e muitos discos bem antigos, eram uns discos duros
que existiam antes do vinil. Tinham umas gravações fantásticas ali como a obra
de Chopin, os concertos com orquestra, também os concertos de Mendelssohn e
Tchaikowsky para violino... Eu acho que meus avós tinham trazido grande parte
da Europa. Ouvir aqueles discos era algo especial.
Revista Keyboard Brasil – Quem são seus
compositores preferidos?
Débora Halász – Ter
preferências significaria, de alguma forma, exclusão. Existem tantos
compositores geniais, desde a Renascença, não haveria razão para dar preferência
a alguns. Eu me deixo seduzir tanto pelos compositores conhecidos como pelos
menos conhecidos e também pelos totalmente desconhecidos. Isto torna o trabalho
muito mais excitante. O interessante é o envolvimento com a linguagem musical
em si. Talvez eu tenha uma admiração especial por Brahms e Mahler, da forma
como os mais profundos sentimentos encontram sua sublimação perfeita dentro
daquele desenvolvimento harmônico. E existe a admiração também por Rachmaninov
e Scriabin, pela forma como conseguiram explorar, de maneira brilhante, as
possibilidades do piano moderno.
Revista Keyboard Brasil – Certa vez você
disse que ''O Brasil precisa aprender que
música clássica é produto de exportação''. O Brasil é um celeiro de
excelentes músicos e muitos fazem carreira fora do país, justamente porque aqui
não há o espaço necessário, não se dá o valor necessário para que possam viver
do seu trabalho. Na sua opinião, o que seria fundamental para reverter esse
quadro?
Débora Halász –
Bem, acho que o primeiro passo para se reverter qualquer quadro é tomar
consciência dele. As pessoas sempre falam das riquezas naturais do Brasil, mas
ninguém fala da riqueza humana. O problema crucial do Brasil é a educação, ou
melhor, a falta de investimento na educação. Existe um apoio desproporcional às
artes populares, de resultados rápidos e votos fáceis... Todas as outras
expressões de cultura mais elaborada, a música erudita, literatura, artes
plásticas, dança, teatro, etc... são negligenciadas. Não existe um planejamento
nas verbas públicas que garantam continuidade à produção e à educação
artística. E, justamente são através destas artes que um país é identificado e
se torna respeitado. Na educação pública, é necessário dar a oportunidade a
todos os cidadãos para descobrirem e
desenvolverem seus talentos. E, naturalmente de poderem trabalhar com isto. É
isto que torna um país rico!!
Revista Keyboard Brasil – De todos os
prêmios que você ganhou, qual você considera o mais importante?
Débora Halász –Todos
foram importantes, uma recompensa pelo trabalho feito e motivação para os
próximos. O prêmio Eldorado talvez tenha me dado, naquele momento, as melhores
chances porque logo depois eu recebi a bolsa do DAAD para me aperfeiçoar na
Alemanha, mas naturalmente o mais significativo foi o Latin Grammy por ter sido
uma escolha entre todos os artistas e regravações realizadas mundo afora e
muito poucos solistas até hoje terem ganho o prêmio.
Revista Keyboard Brasil – Você também é
formada em Direito pela USP mesmo tendo a música como companheira desde a
infância. Chegou a exercer essa profissão também? Fale sobre isso.
Débora Halász – Eu
me decidi, ainda na escola, que seria importante ter uma outra profissão,
justamente porque considerava, na época que eu era jovem, a carreira de músico
muito incerta e arriscada no Brasil. O Direito foi uma escolha sem paixão, uma
Faculdade que não me custava muito tempo nem esforço mas foi um ambiente muito
estimulante intelectualmente, não pelos estudos, mas pelos colegas que conheci
ali, por todas as discussões políticas, filosóficas, literárias... Eu fiz
alguns estágios durante a Faculdade e fiz até o exame da OAB mas não cheguei a
exercer a profissão porque logo depois de formada me foram apresentaram perspectivas de seguir com a música no
exterior.
Revista Keyboard Brasil – Até bem pouco
tempo, a obra de Radamés Gnattali não era muito conhecida, mas hoje vários
músicos têm apresentado ao mundo a sua
obra, como o Quarteto Gnattali e os pianistas Luís Rabello e Hércules Gomes.
Como você conheceu?
Débora Halász – Eu
realmente não conhecia praticamente nada do Gnattali quando vivia no Brasil.
Conhecia o nome mas existia um certo preconceito no ar. Uma certa
desvalorização. Eu realmente me surpreendi com a qualidade da obra quando ouvi
Gnattali tocado pelo pianista canadense Marc Andre Hamelin. Aí comecei a buscar
as partituras, o que é bastante complicado de conseguir, sobretudo fora do
Brasil porque não estão editadas, e com isto surgiu a ideia do disco, Alma
Brasileira, ganhador do Grammy Latino.
Revista Keyboard Brasil – A série de
discos dedicada a Villa-Lobos (1887-1959) recebeu excelentes críticas (o
trabalho foi considerado pela revista americana Fanfare "a melhor interpretação de Villa-Lobos já realizada em disco").
Como surgiu a ideia para realizar esse trabalho?
Débora Halász – Eu
tinha me preparado para gravar um disco de Villa-Lobos, que acabou sendo o
primeiro da série mas quando cheguei na Suécia para gravação, o chefe da Bis Records não me deixou muita escolha
e me convenceu a ampliar o projeto a um número muito maior de discos. Foi
fantástico este envolvimento com a obra de Villa-Lobos. Ele era um compositor
genial e muito criativo! Nunca se torna repetitivo.
Revista Keyboard Brasil – Fale sobre o
Duo Halász, que fundou em 1993 com o seu marido, o violonista Franz Halász.
Débora Halász – Nós
nos conhecemos e casamos em 1991, ainda estudantes, mas logo veio a ideia de
fazermos um trabalho juntos. Começamos a
pesquisar o que havia de repertório e a nos apresentar juntos. Gravamos nosso
primeiro disco em 1994. O Franz é um violonista maravilhoso e com grande
sonoridade. Apesar do piano moderno ser muito mais potente, eu não sinto
diferença quando toco com ele ou com um instrumento de corda. E como tudo no
casamento deu certo, o Duo musical também continuou....
Revista Keyboard Brasil – Você também formou um quinteto (violão,
piano, violino, contrabaixo e bandoneon) com músicos de Munique, da formação de
tango. O que pode nos falar sobre isso?
Débora Halász –
Este Quinteto surgiu através de um concerto que eu organizei na Faculdade em
homenagem a Piazzolla. Nós tocamos no final do programa na formação que
Piazzolla utilizava. Foi um sucesso espantoso. E nós nos entendemos tão bem que
resolvemos levar a ideia adiante. Todos vivem em Munique apesar de ninguém ser
daqui e todos são músicos excelentes com a ambição de fazer um trabalho de alta
qualidade. Uma formação assim de câmara, quando todos buscam o ideal da perfeição e deixam seu temperamento
fluir é um acontecimento único.
Revista Keyboard Brasil – Como é sua
rotina de estudos? Pratica todos os dias?
Débora Halász – Eu
não tenho tempo para praticar todos os dias porque também leciono e viajo muito
e também porque na minha vida a única rotina é passear com meu cachorro. Com o
tempo a gente também aperfeiçoa a forma de estudar e as horas diárias da
juventude se tornam desnecessárias. É um estudo muito mais efetivo.
Revista Keyboard Brasil – Continue a
frase: "A música tem o poder de..."
Débora Halász –
transcender a insignificância da existência humana.
Revista Keyboard Brasil – O foco da
Revista Keyboard Brasil é o mundo das teclas, pioneira no mercado digital
brasileiro. Poderia nos dar sua opinião a respeito de nosso trabalho?
Débora Halász –
Toda a iniciativa de divulgação cultural é digna de reconhecimento, ainda mais
com todas as dificuldades que o país apresenta neste sentido. Vocês estão de
parabéns por realizar um trabalho assim sério e profissional.
Revista Keyboard Brasil – Projetos
futuros?
Débora Halász –
Projetos demais! O problema é dar conta. Estamos no andamento do nosso primeiro
CD com o Quinteto, com obras de Piazzolla e com o Duo queremos reunir composições
novas e exclusivas de compositores brasileiros e latino-americanos para nossa
próxima turnê. Quero me dedicar também à gravação da obra para piano solo de
Frank Martin. E comecei a compor! Gostaria de poder dedicar mais tempo à isto.
SAIBA MAIS SOBRE DÉBORA HALÁSZ:
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* Heloísa Godoy
Fagundes é pesquisadora, ghost writer e esportista. Há 20 anos no mercado
musical através da Keyboard Editora e, há 10 no mercado de revistas, tendo
trabalhado na extinta Revista Weril. Atualmente é publisher e uma das
idealizadoras da Revista Keyboard Brasil - publicação digital pioneira no
Brasil e gratuita voltada à música e aos instrumentos de teclas.
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