quarta-feira, 27 de abril de 2016

BILLIE HOLIDAY - A MENINA QUE ADORAVA CANTAR


ABRINDO A NOVA COLUNA DA REVISTA KEYBOARD BRASIL SOBRE AS ‘DIVAS DA VOZ,’ MARINA RIBEIRO TRAZ BILLIE HOLLIDAY, CONSIDERADA A PRIMEIRA GRANDE DAMA DO JAZZ E SUA HISTÓRIA MARCADA POR  DROGAS, AGRESSÕES, MARGINALIDADE E PRECONCEITO RACIAL.
* Por Marina Ribeiro

Eleanora Fagan, filha de um casal adolescente nos Estados Unidos, nasceu em 7 de abril de 1915. Pai músico, tocava guitarra e banjo. A história tem um começo clássico: o pai abandona mãe e filha, condenando-as a uma vida de privações e constrangimentos. A mãe, pela pouca idade e inexperiência, tampouco conseguiu atender a criança que ficava muitas vezes aos cuidados de parentes que não lhe davam a atenção necessária. Pobre e negra do Sul dos Estados Unidos. Era este o traçado do destino, igual a tantos outros. Mas, um fato diferenciava Eleanora – a menina adorava cantar. Cantava o tempo todo. Particularmente gostava de Bessie Smith e Louis Armstrong, discos ouvidos na vitrola.

Em 1927, a mãe decidiu mudar-se para Nova Iorque em busca de trabalho, acompanhada pela pequena. Com apenas 12 anos de idade, ajudava em serviços domésticos. Porém, logo começou a se prostituir para aumentar a renda. Era o destino, que não sorri e insiste em contar a mesma história. Mas ela cantava, cantava por alguns trocados. Insistia em cantar. Acompanhava os pianistas ou grupo de cantores, de clube em clube, no vibrante cenário noturno do jazz. 
Acima: Criança, em início de carreira e com a mãe, Sadie Fagan.

Desafiando o destino, Eleanora resolveu emprestar o nome da atriz Billie Dove. Quem sabe se escondia da sina e enganava o destino. Assim nasceu Billie Holliday. A mulher que mudou a história da música. Em um momento histórico em que valia a tradição de Tin Pan Alley, uma rua em Nova Iorque que concentrou a produção musical nos séculos XVII e XIX, não se concebia que se produzisse algo que contrariasse o mainstream que agradava as gravadoras e a conservadora sociedade. Foi neste cenário que Billie Holliday começou a cantar. Sua interpretação vinha carregada da emoção de quem conhecia efetivamente as letras daquelas canções. Uma revolução. Embora tenha sempre admitido a influência de Smith e Armstrong, Billie ousou ser ela mesma: “se for para eu cantar como outra pessoa, não é preciso que eu cante”.  Autodidata, dona de uma voz pura e de estilo próprio, uma das melhores cantoras do século, revolucionou a música brincando com a batida e a melodia, renovando o padrão musical da época.
Acima: Com Louis Armstrong em 1949, com seu marido Joe Guy e sua cabeleireira e quando foi presa em 1947.

A partir de 1933, sua carreira começou a ascender,  com a associação com o produtor John Hammond. Billie gravou canções de sucesso, fez turnês cantado nos melhores teatros. A música Your Mother's Son-In-Law, marcou sua estreia nos estúdios. Mas, nesta luta com o destino, as batalhas não foram poucas. Na época, as melhores músicas eram oferecidas para as orquestras da sociedade e para cantores populares e brancos. Mesmo com músicas de menor qualidade, Billie Holiday continuava a se apresentar. Até que, no final de 1937, gravou vários números com um grupo, recém descoberto por Hammond, a Orquestra de Count Basie. O tenor Lester Young e o trompetista Buck Clayton tornaram-se muito próximos a Holiday e muitos dos seus melhores trabalhos foram realizados durante o final dos anos 30. 

Iniciaram-se assim, as turnês com Basie. Contudo, a associação durou apenas um ano. Oficialmente, registrou-se que ela teria sido despedida por ser temperamental e pouco confiável. Será? Sim, Billie não se adaptava. Mas existe a versão de que ela recusou-se a permanecer na orquestra se fosse para cantar os padronizados blues femininos dos anos 20. 

Após o rompimento com Basie, foi contratada pela banda Artie Shaw's, sendo uma das primeiras negras a aparecer em um grupo de brancos. Apesar do apoio da banda, promotores de shows e patrocinadores do rádio passaram a boicotar a participação de Holiday por causa de seu estilo pouco ortodoxo e por questões raciais. Assim, ela deixou a banda. 

E foi neste momento, com a liberdade de cantar sozinha, que ela pode utilizar seus poderes de nuance e sutileza utilizar seus poderes de nuance e sutileza gravando a música Strange Fruit, que tornou-se o ponto alto de sua carreira. Seu sucesso proporcionou aparições ao lado de outros grandes nomes da música, com Duke Ellington, que a levou para as grandes turnês na Europa. Gravou vários discos. Enfim, parecia que aquela guerra estava ganha. A menina tinha vencido.

Acima: Partitura de Strange Fruit (Solicite a partitura completa pelo e-mail: contato@keyboard.art.br

Mas o destino não quis deixar barato. Não! A força e talento desta mulher não passariam assim, incólumes! As drogas, os casamentos conturbados, agressões. O destino apenas esperava um pouco mais para entregar a Eleanora o final daquela história. Os companheiros levaram seu dinheiro. A heroína, sua liberdade. Finalmente, o destino conseguiu impor sua força e a levou com apenas 44 anos.

Entretanto, pouco antes de sua morte, Holiday publicou uma autobiografia Lady Sings the Blues, escrita em uma tentativa de conseguir uns trocados. No cinema, Diana Ross no papel principal, em 1972.

Acima: Billie fez parte das big bands de Artie Shaw e Count Basie, sendo uma das primeiras negras a cantar com uma banda de brancos, e no auge da segregação racial. Na maioria de suas turnês nos nos 1930, Billie não enfrentava preconceito apenas na plateia, mas por seus próprios contratantes e nos hotéis que a recebiam para os shows. Era obrigada a entrar pela porta dos fundos e, na estrada, nas paradas comuns aos viajantes, ela ficava do lado de fora dos restaurantes. Nos estados mais racistas, no sul do país, muitas vezes era obrigada a fazer suas necessidades na rua. Nesta foto maior, a banda de Count Basie em 1951.
No detalhe menor: cartaz apresentando entre outros grandes do Jazz, Billie Holiday, a primeira e única ‘Lady Day’.



Sofrimento, marginalidade e preconceito racial. A vida que Billie 
Holiday não escondeu de ninguém! 

Abaixo: autobiografia 
Lady Sings the Blues

– Por ser negra e pobre, Billie enfrentou dificuldades desde muito pequena, passando por todos os infortúnios possíveis. Ainda criança, aos 10 anos, foi violentada por um vizinho, afastada da mãe e internada em uma casa de correção.

– Quando saiu, aos doze anos, começou a trabalhar como faxineira e lavava assoalhos em prostíbulo (para sua alegria, a patroa da casa deixava que ela ouvisse os discos de Louis Armstrong e Bessie Smith na vitrola). Aos catorze anos, morando novamente com sua mãe, em Nova York, caiu na prostituição.

– A entrada na música veio em um momento de desespero: sob ameaça de despejo e sem dinheiro para pagar as dívidas de sua mãe, saiu às ruas à noite e ofereceu-se para trabalhar como dançarina em um bar. A tentativa de se mostrar apta ao trabalho deixou o pianista do local com pena, tamanha sua falta de jeito. Saiu de lá com emprego fixo depois de soltar sua voz demonstrando que sabia cantar.

– Billie fez parte das big bands de Artie Shaw e Count Basie, sendo uma das primeiras negras a cantar com uma banda de brancos, e no auge da segregação racial. Na maioria de suas turnês nos anos 1930, Billie não enfrentava preconceito apenas na plateia, mas por seus próprios contratantes e nos hotéis que a recebiam para os shows. Era obrigada a entrar pela porta dos fundos e, na estrada, nas paradas comuns aos viajantes, ela ficava do lado de fora dos restaurantes. Nos estados mais racistas, no sul do país, muitas vezes era obrigada a fazer suas necessidades na rua.

– “Strange Fruit”, imortal na voz de Billie, é a primeira canção de protesto explícito contra o racismo e os linchamentos de negros comuns no sul dos Estados Unidos em tempos de segregação. De forma extremamente poética, a canção ilustra o modo como eles eram exibidos ao público, pendurados em árvores como frutos estranhos. Billie levou essa realidade aos bares e bordéis, o que a rendeu uma porção de inimigos.
– Billie afirmava se sentir totalmente exausta e deprimida sempre que acabava de cantar “Strange Fruit”. Mesmo com todo o sofrimento, ela garantia que permaneceria cantando porque, décadas depois, negros conti-nuavam morrendo pela mesma razão: apenas por serem negros.

– Uma vez Billie foi agredida em um bar após seu show por estar conversando com um homem branco, seu amigo. “Não somos obrigados a ver isso, isso é um absurdo”, exclamou o agressor, frisando que se o branco gostaria de estar com uma mulher negra, que o fizesse em privado.

– Billie sempre foi passada para trás em suas finanças – o que era ainda pior em uma época em que as artistas negras costumavam ser lesadas em contratos e direitos autorais. No caso de Billie, isso se tornou ainda pior por seus relacionamentos com homens abusivos. Entre seus principais amores estão Joe Guy, traficante e músico, e Louis McKay, um membro da máfia violento e agressivo.

– Extremamente deprimida, Billie se entregou completamente ao álcool e à heroína nos anos 1940. E se já era difícil ser mulher, se já era difícil ser negra, era praticamente impossível ser drogada quando se era mulher e negra. Nenhuma perseguição a artistas com problemas com narcóticos se comparou ao que Billie sofreu na mão dos policiais quando já estava muito enferma. Foi presa três vezes e morreu em um quarto de hospital algemada à cama, com dois policiais na porta. Desnecessário!





Saiba mais sobre Billie Holiday:
http://www.billieholiday.com/
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* Marina Ribeiro é profissional de marketing, atua em comunicação digital e e-commerce e é colunista da Revista Keyboard Brasil. Mantém uma loja virtual de roupas infantis e escreve por 
prazer. Geminiana, seu maior desafio é manter o foco.




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