terça-feira, 29 de novembro de 2016

A música do Movimento Armorial - Entre o Erudito e o Popular (
Parte 1)

 UMA CORRENTE MARCADA PRINCIPALMENTE PELA TENDÊNCIA DO ESCRITOR E DRAMATURGO PARAIBANO ARIANO SUASSUNA EM SINTETIZAR ELEMENTOS E FIGURAS DA CULTURA DO POVO NORDESTINO E OBRAS CLÁSSICAS DA LITERATURA UNIVERSAL. ESTA MISTURA DE GOSTOS E EXPRESSÕES É O MÓVEL QUE INSPIRA O TEMPO TODO O AUTOR E SEUS COMPANHEIROS DO MOVIMENTO ARMORIAL, UM MOVIMENTO CRIADO PARA FAZER FACE AO MASSIVO DOMÍNIO DOS IMPERATIVOS CULTURAIS ESTADUNIDENSES NO BRASIL. ESSE É O TEMA DA COLUNA DE SERGIO FERRAZ.

 * Por Sergio Ferraz


Nos meus recentes artigos escritos aqui na Revista Keyboard Brasil, tenho tentado traçar um caminho mostrando como as questões nacionalistas desencadearam movimentos artísticos pelo mundo.  Vimos isso na Rússia, na Hungria e em diversos países do leste europeu. Também não foi diferente aqui no Brasil, entre o final do século XIX e início do século XX.

Vamos então falar sobre o Movimento Armorial, que surgiu influenciado pelos mesmos aspectos que os demais movimentos nacionalistas, porém com um foco foi mais regional.

Em 1970, no Recife, o escritor, dramaturgo e professor de estética da arte Ariano Suassuna lançou o manifesto que traçava as bases do Movimento Armorial.  A ideia deste movimento era abarcar todos os segmentos artísticos, tal como: música, teatro, artes plásticas, literatura, entre outros. 

No âmbito musical, um dos objetivos era criar uma música erudita com base na cultura popular do nordeste, destacando as suas fontes formadoras, que segundo Suassuna tinha três matrizes básicas: a Ibérica (portuguesa-árabe- mouresca), Africana e Indígena. 

A palavra “armorial” é, originalmente, um substantivo – o nome que se dá ao livro onde são registrados símbolos de nobreza, como os brasões ou, então, ao conjunto desses símbolos. Porém, Ariano passou a empregar o termo como adjetivo. Ele também descobre que o termo servia para qualificar os “cantares” do Romanceiro, os toques de viola e rabeca dos Cantadores: “toques ásperos, arcaicos, acerados como gumes de faca-de-ponta, lembrando o clavicórdio e a viola-de-arco da nossa música Barroca do século XVIII”, dizia Suassuna.

Também escreve Ariano em um trecho do texto de apresentação na contra-capa do primeiro LP do Quinteto Armorial (Do Romance ao Galope Nordestino) lançado em 1974: “Foram os compositores armoriais que revalorizaram o pífano, a viola sertaneja, a guitarra ibérica, a rabeca e o marimbau nordestino, estranho e belo instrumento, de som áspero e monocórdico, lembrando – como a rabeca também – os instrumentos hindus ou árabes, estes últimos de presença tão marcante no nordeste, por causa da nossa herança ibérica.”

Era esse o princípio gerador do Movimento Armorial: compor uma música erudita-popular para orquestra e grupo de câmara. Para tanto, Ariano Suassuna reuniu músicos eruditos, compositores e instrumentistas do mais alto gabarito, entre eles, Cesar Guerra-Peixe, o virtuoso violinista e compositor Cussy de Almeida, Clóvis Pereira, Capiba (também ilustre compositor de frevos), Jarbas Maciel, Antonio “Zoca” Madureira, e o então jovem violinista e rabequeiro  Antonio Carlos Nóbrega.

Primeiramente foi a Orquestra Armorial de Câmara capitaneada pelo violinista Cussy de Almeida que fez soar em todo o Brasil as primeiras composições armoriais em diversas salas de concertos, programas de TV e em gravações dos seus quatro LPs lançados a partir de 1975. 

São eles:
Orquestra Armorial – 1975 
Destaque para Mourão, composição de Guerra-Peixe e Clovis Pereira, Galope (Guerra-Peixe), Abertura e Aboio (Cussy de Almeida), Repentes (Antonio Zoca Madureira), Sem Lei nem Rei (Capiba)
Chamada – 1975
Destacam-se: Sem Lei nem Rei partes II e III (Capiba), Chamada No 1 (C. de Almeida, C Pereira e J. Maciel), No Reino da Pedra Verde (Clovis Pereira)
Gavião – 1976

Destaque principalmente para o Dueto Característico (Guerra-Peixe), Gavião (Cussy de Almeida), e Aboio Esporiado (José Tavares de Amorim). Além desses três primeiros mais importantes LPs, a Orquestra Armorial gravou ainda mais quarto álbuns: Orquestra Armorial vol 4 (1989), Orquestra Armorial Vol 5 (1992), Grande Missa Armorial de Capiba (1994) e Orquestra Armorial (1994). 

O Quinteto Armorial teve papel importantíssimo na sonoridade da música armorial, explorando as sonoridades rústicas da rabeca, pífano,  viola sertaneja e marimbau, além de instrumentos tradicionais como violino, violão e flauta. O Quinteto Armorial era liderado pelo violonista e compositor Antonio “Zoca” Madureira (viola sertaneja e violão) e contava, na sua formação original, com Antonio Carlos Nóbrega (violino e rabeca), Egildo Vieira (pífano e flauta), Fernando Barbosa (marimbau) e Edilson Eulálio (violão).

O disco de estreia do grupo foi Do Romance ao Galope Nordestino (1974), com destaque para as músicas: Toada e Desafio (Capiba), Repente, Toré e Ponteio Acutilado (Antonio Madureira), Rasga (Antonio Carlos Nóbrega). O álbum ainda traz uma versão para rabeca e pífanos de Mourão (Guerra-Peixe e Clovis Pereira), um romance ibérico do século XVI – Romance da Bela Infanta, recriado por Antonio Zoca Madureira. 

Esta obra teve grande repercussão na época, recebendo elogios de pesquisadores e críticos de arte como José Ramos Tinhorão¹, chamando o quinteto de “o milagre brasileiro”.

O Quinteto Armorial lançaria outros três discos, assim como o primeiro, pela gravadora Marcos Pereira. O segundo, Aralume (1976), considero o melhor de todos os trabalhos do Quinteto – Antonio Zoca Madureira também compartilha dessa mesma opinião – destaque para a música título e também Lancinante (A. Zoca Madureira), Improviso – incrível peça para viola solo de Antonio Zoca Madureira, e Ponteado também de Antonio Zoca Madureira. O terceiro LP apenas intitulado Quinteto Armorial é de 1978; neste trabalho destacam-se as faixas: Baque de Luanda (A. Zoca Madureira), Entremeio para Rabeca e Percussão em três movimentos de Antonio Carlos Nóbrega, e Toque de Marimbau e Orquestra  – um concerto para marimbau de orquestra compostos por Antonio Zoca Madureira. Em 1980 o Quinteto Armorial lançaria seu último álbum intitulado Sete Flechas, um trabalho muito mais voltado para o frevo e para composições com ritmos indígenas. Destaque para a faixa título Sete Flechas (A. Zoca Madureira), Martelo Agalopado (A Suassuna e A. Carlos Nóbrega), Zabumba Lanceada (Fernando Torres Barbosa).


¹José Ramos Tinhorão (07/02/1928) ou simplesmente Tinhorão – apelido referente a uma 
planta venenosa, conferido a ele em razão da acidez humorístico-irônica de suas colocações,
é jornalista, crítico e pesquisador da história da música popular brasileira.   

Continua na próxima Revista Keyboard Brasil. Até lá!
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* Sergio Ferraz é violinista, tecladista e compositor. Bacharel em música pela UFPE, possui seis discos lançados até o momento. Também se dedica a composição de músicas Eletroacústica, Concreta e peças para orquestra, além de ser colunista da Revista Keyboard Brasil.




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