Centenário de Alberto Ginastera o mais prestigiado compositor clássico latino-americano
ACLAMADO
COMO O COMPOSITOR ARGENTINO MAIS INFLUENTE DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA, ALBERTO
EVARISTO GINASTERA DESENVOLVEU UMA OBRA CLÁSSICA VIBRANTE. COMPOSITOR EXIGENTE,
CONSTATAMOS NO ARGENTINO UMA ESPÉCIE DE ENSINAMENTO EM TERMOS DE DISCIPLINA E
AUTOCRÍTICA, ALGO QUE LHE REVERTEU POSITIVAMENTE NO CORRER DO TEMPO.
* * Por Maestro Osvaldo Colarusso
Neste
ano, em que se comemora o centenário de nascimento do compositor argentino
Alberto Ginastera (1916-1983), nos deparamos com uma realidade que pode
incomodar muito a nós brasileiros: Alberto Ginastera tem assumido a dianteira
em termos de prestígio entre os compositores de música clássica do nosso
continente, prestígio ainda maior do que possui nosso maior compositor, Heitor
Villa-Lobos.
Alguns dados para explicitar o que digo: para marcar o centenário do nascimento do compositor argentino o selo inglês Chandos está lançando uma série de primorosos Cds (Quatro volumes) com quase todas as obras orquestrais do compositor com a Orquestra Filarmônica da BBC regida pelo espanhol Juanjo Mena, seu concerto para harpa está entre as obras da temporada oficial da Orquestra Filarmônica de Berlim, Placido Domingo acaba de gravar a ópera Don Rodrigo e a Deutsches Symphonie-Orchester Berlin sob a regência de Arturo Tamayo acaba de lançar através do selo Capriccio uma caprichada versão de algumas obras da fase mais experimental do autor.
Mas isto tudo não é uma exceção ocorrida apenas pelo centenário de seu nascimento. A obra de Ginastera atrai grandes intérpretes há muito tempo. Enquanto, por exemplo, os Quartetos de Villa-Lobos são executados apenas por quartetos brasileiros (destaco a integral em DVD do Quarteto Radamés Gnattali) ou focados na música latino-americana (destaco a integral do Cuarteto Latinoamericano) os três Quartetos de Ginastera foram executados e gravados por alguns dos maiores quartetos do mundo, como o Quarteto Juilliard e o Quarteto Végh. O Concerto para Harpa e orquestra do compositor argentino existe em diversas e excelentes gravações e arrisco dizer que este é o concerto para solista e orquestra mais conhecido entre os que foram escritos por compositores latino americanos.
Enquanto a obra de Villa-Lobos é divulgada atualmente prioritariamente por grandes artistas brasileiros como o violinista Fabio Zanon, as pianistas Débora Halász e Sonia Rubinsky e o maestro Isaac Karabtchevsky, a obra de Ginastera é divulgada prioritariamente por importantes músicos - não argentinos - como os maestros Josep Pons, Andre Previn, Leonard Slatkin e Juanjo Mena, os harpistas Xavier de Maistre, Marie-Pierre Langlamet e Yolanda Kondonassis, os violinista Gil Shaham e Salvatore Accardo, o violonista Jason Vieaux e os pianistas Orli Shaham e Sergio Tiempo.
Creio que as razões para isso são várias. Inicialmente Ginastera tem um editor, a inglesa Boosey and Hawkes, que oferece e divulga edições primorosas tanto de suas obras pianísticas quanto das obras orquestrais, corais e destinada a outros instrumentos. Para que possamos tocar diversas obras de Villa-Lobos temos que fazer xerox do xerox da partitura autografa. A principal editora de Villa-Lobos, a francesa Max Eschig, vai mal das pernas e há muito tempo não tem revisto ou reeditado as obras do compositor brasileiro.
Outra razão está na diferença do temperamento artístico dos dois compositores. Enquanto Villa-Lobos, segundo a maestrina uruguaia Giséle Bén-Dor definiu acertadamente na Revista Gramophone “…criava como se rios de música viessem através dele. Ele era muito espontâneo, compunha em qualquer lugar”, Ginastera era exatamente o oposto: “Ginastera era muito preciso e exigente. Ele propositadamente destruiu diversas obras dele e insistiu que outras não deveriam ser tocadas”.
Realmente Villa-Lobos nunca revisou nenhuma obra sua pois considerava isso uma perda de tempo. Ao contrário, Ginastera revisava exaustivamente suas composições antes de serem publicadas. E, quanto ao fato dos intérpretes argentinos darem pouca importância a Ginastera (Martha Argerich e Barenboim, por exemplo, tocam apenas uma pequena obra do autor) deve-se ao fato de que Ginastera não queria ser identificado como um “compositor argentino”. Ele se afasta da argentina definitivamente em 1970 e vive seus últimos 13 anos na Suíça. Sem negar suas raízes em suas composições, seu objetivo maior era ser puramente um compositor, sem o rótulo de “nacionalista”.
Isto pode soar um pouco estranho já que as primeiras obras de Ginastera (Estancia, por exemplo, sua obra mais tocada no Brasil) possuem um cunho extremamente nacional. Seu ídolo nesta fase é o húngaro Bela Bartók, bem distante do nacionalismo brasileiro.
O que pouca gente sabe é que Ginastera nos últimos 25 anos de sua vida incorpora técnicas altamente ligadas às mais experimentais tendências musicais. E existem algumas composições que sintetizam de forma brilhante o misticismo e a espiritualidade não apenas de seu país natal, mas de todo o continente latino-americano. Exemplo disso é sua belíssima Cantata para América Mágica opus 27, obra de 1960 para soprano dramático e orquestra de percussão, com texto baseado em fragmentos pré-colombianos. Outra obra com este cunho místico e ritual é Popol Vuh op.44 (1975) para grande orquestra, que descreve a criação do mundo na ótica maia, a obra mais selvagem do compositor. Há quem diga que esta obra é a “Sagração da Primavera” latino-americana.
O gosto literário de Ginastera também era muito refinado. Prova disso é uma das melhores obras do compositor, seu Quarteto de cordas Nº 3 composto em 1973. O quarteto, que é atonal e com grande liberdade criativa, conta com a participação de um soprano e o texto das partes cantadas é uma súmula de três gigantes da literatura espanhola: Juan Ramón Jimènez, Federico Garcia Lorca e Rafael Alberti.
Não quero aqui fazer uma comparação entre as genialidades dos dois grandes compositores, Ginastera e Villa-Lobos. Os dois estão entre os mais importantes compositores do século XX. Mas constatamos no argentino uma espécie de ensinamento em termos de disciplina e autocrítica, algo que lhe reverteu positivamente no correr do tempo. O prestígio de Ginastera decididamente está em alta.
Para quem deseja conhecer algo mais profundo do compositor argentino, deixo aqui algumas gravações.
1. Ginastera: Popol Vuh – A criação do mundo vista pelos maias, Op. 44 Cantata para América Mágica Rayanne Dupuis (soprano WDR Symphony Orchestra Cologne, Stefan Asbury Selo: Neo
2. Ginastera – Os três quartetos de cordas. Cuarteto Latinoamericano – Claudia Montiel – soprano Selo: Brilliant Classics
3. Ginastera: Concerto para cordas, Op.33 Estudios sinfonicos, Op. 35 Glosses sobre temes de Pau Casals, para orquestra, Op. 48 Iubilum, Op. 51. Deutsches Symphonie-Orchester Berlin, Arturo Tamayo Selo: Capriccio
4. Ginastera – Concerto para Harpa e orquestra (Yolanda Kondonassis) Sonata para violão (Jason Vieaux), Pampeana Nº 1 (Gil Shaham) e Danças Argentinas (Orli Shaham) Selo: Oberlim. Edu
5. Além desses recomendo fortemente a coleção que começou a ser lançada este ano das obras orquestrais de Ginastera com a Filarmônica da BBC regida por Juanjo Mena. Selo: Chandos.
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* Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado com solistas do nível de Mikhail Rudi, Nelson Freire, Vadim Rudenko, Arnaldo Cohen, Arthur Moreira Lima, Gilberto Tinetti, David Garret, Cristian Budu, entre outros. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
** Texto retirado do Blog Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo.
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