22 ANOS SEM TOM JOBIM
HÁ
22 ANOS, O BRASIL PERDIA UM DOS MELHORES COMPOSITORES DE SUA HISTÓRIA MUSICAL.
TOM JOBIM (1927 – 1994) DEIXOU SUA MARCA REGISTRADA COMO UM DOS CRIADORES DA
BOSSA NOVA E, PARA RELEMBRAR SUA CARREIRA, A REVISTA KEYBOARD BRASIL FAZ UMA
JUSTA HOMENAGEM.
* Por Heloísa Godoy Fagundes
“Desde que me lembro gosto de música. Lembro-me dos meus tios tocando violão, minha avó tocando piano, meu tio-avô cantando ópera... E vinham os choros, as valsas, Bach e tudo o mais, até que me mandavam para a cama... ” – Tom Jobim
O
Brasil é o país da música popular. Foi aqui que nasceram Noel Rosa,
Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chico Buarque e o maior compositor popular de um
país de compositores populares – Tom
Jobim. Suas composições incorporaram à música
brasileira influências do Jazz americano e da música erudita, especialmente de
Debussy e Villa-Lobos, com quem Jobim foi frequentemente comparado no início da
carreira.
Nascido
no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida
Jobim é um dos nomes
que melhor representam a música brasileira na segunda metade do século XX,
influenciando artistas consagrados com a sensibilidade de suas letras e melodias.
Filho
de pai advogado e mãe proprietária do Colégio Brasileiro de Almeida (que já não
existe mais), Tom cresceu atleta, louro e queimado de sol. “Nós éramos os
garotos de Copacabana e Tom Jobim o garoto de Ipanema” disse, certa vez, o
saudoso letrista Ronaldo Bôscoli.
Sua habilidade musical era fruto
de estudo e muito trabalho – exatamente o que diferenciava Tom da maior parte
dos compositores brasileiros. Estudou piano com
Lúcia Branco, uma das melhores professoras do Rio em sua época, a mesma que deu
aula para concertistas como Arthur Moreira Lima. Lapidou seus conhecimentos de
música clássica com o alemão Hans-Joachim Koellreutter, o mestre de nove entre
dez compositores eruditos brasileiros dos anos 50 em diante. Por isso, Tom era
um dos poucos em sua profissão capazes de escrever seus próprios arranjos.
Começou sua carreira, por assim dizer, já pronto, aos 29 anos.
O Início...
Tom
ouvia Jazz no rádio nos anos 50 como todo mundo, mas não era seu tipo de música
predileta. Preferia os standards da orquestra de Glenn Miller às
experimentações de Charlie Parker. Suas influências, segundo ele próprio, eram
Debussy, Villa-Lobos, Stravinsky e Chopin. Não é difícil comprovar que Tom
dizia a verdade. Basta notar que uma de suas composições mais famosas,
Insensatez, é incrivelmente parecida com o Prelúdio em Mi Menor, Opus 28, de
Chopin, a ponto de ser possível tocar uma música com o acompanhamento da outra.
O
próprio Tom gostava de dizer que a inspiração para Samba de uma Nota Só não era
o famoso ostinato de Night and Day, mas outro prelúdio de Chopin, conhecido
como Prelúdio da Gota d'Água. Seus acordes sobrepostos vêm de Debussy que,
assim como Chopin, brincava com acordes dissonantes numa época em que o jazz
nem sonhava existir.
Trajetória...
Tom
cursou apenas o primeiro ano de Arquitetura. No início, Tom foi parceiro de
Alcides Fernandes, marido de sua lavadeira, em cinco músicas que ninguém quis
gravar. Das primeiras gravadas, Pensando em Você (letra e música) e Incerteza
(letra de Newton Mendonça, de quem seria parceiro por muitos anos), não existem
vestígios. Tom não tinha o disco de 78 rotações nem sabia quem pudesse ter um.
Data talvez daí a insistência do futuro maestro em escrever suas partituras.
“Bach, Mozart, Beethoven, qualquer compositor, grande ou pequeno, não existiria se não houvesse escritura musical”, dizia Tom Jobim.
Já
casado com sua primeira esposa, Teresa Hermanny, para pagar o aluguel passou a
tocar em inferninhos na noite carioca (Mocambo, Clube da Chave, Acapulco,
Farolito, Vogue e Far-West). De dia, dava expediente no estúdio da gravadora
Continental. Ali usava o que aprendeu com o maestro Radamés Gnatalli, fazendo
arranjos para cantores de vozeirões impressionantes, como Dalva de Oliveira e
Vicente Celestino, e também para os de estilo bem mais cool, como Dick Farney e
Elisete Cardoso.
Sua
primeira música gravada foi Incerteza, em 1953, parceria com Newton Mendonça
(com quem mais tarde comporia O Desafinado). Mas, o primeiro sucesso só
aconteceu no ano seguinte, com Tereza da Praia, parceria com Billy Blanco,
interpretada em dueto por Dick Farney e Lúcio Alves.
Em
1956, Jobim musicou a peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, trabalho
que inaugurou uma das
mais férteis parcerias da música brasileira. O sucesso Se
Todos Fossem Iguais a Você é dessa peça.
Em
1958, o compositor gravou o disco considerado o marco
inicial da Bossa Nova, Canção do Amor Demais, com a cantora
Elizeth Cardoso. Nesse disco, em que João Gilberto aparece apenas como
violonista em algumas faixas, surgem já as primeiras harmonias e orquestrações
mais tarde consagradas pelo gênero que se tornou sinônimo de Brasil no
exterior.
“ [...] sou um infeliz paralisado num quarto de hotel, esperando o chamado para a gravação, naquela astenia física que precede os grandes acontecimentos, vendo televisão sem parar e cheio de barrigões.” – Em uma das cartas escritas por Tom ao amigo Vínicius, onde assinou Astênio Claustro Fobim, enquanto esperava a gravação do CD com Frank Sinatra em Los Angeles.
Apesar
de grande cantora, Elizeth estava ainda demasiadamente presa à tradição
interpretativa derramada do samba-canção para levar a cabo as inovações que a
Bossa Nova exigia.
Ainda
no ano de 1958, é relançada em compacto a faixa Chega de Saudade (composta
juntamente com Vinícius de Moraes), e Canção do Amor Demais, em gravação de
João Gilberto, com sua voz contida e violão sincopado. E é nessa gravação que
se pode ouvir a Bossa
Nova já em plena forma.
Em
1959, foi a vez de Sílvia Telles gravar Amor de Gente Moça, um disco com 12 músicas
de Tom, entre elas Só em Teus Braços, Dindi (com Aloysio de Oliveira) e A
Felicidade (com Vinicius).
Em
1962, Tom Jobim fez sua primeira viagem aos EUA para apresentar um espetáculo de Bossa
Nova no Carnegie Hall, em Nova York. O show causou grande
comoção entre músicos americanos, que se apressaram a aderir ao movimento.
Abaixo: Vinícius de Moraes e Helô Pinheiro, a garota de Ipanema.
“Oitenta por cento do meu trabalho não tem nada a ver com Bossa Nova. Posso dizer que dediquei minha vida ao samba de preto. ” – Tom Jobim
Entre
1962 e 1963, a quantidade de clássicos produzidos por Tom foi impressionante:
Samba do Avião, Só Danço Samba e Ela É Carioca
(com Vinícius), O Morro Não Tem Vez, Inútil Paisagem (com Aloysio) e
Vivo Sonhando.
Com
Vinícius compôs, em 1963, um
de seus maiores sucessos e possivelmente a música brasileira mais executada no
exterior: Garota de Ipanema.
O
sucesso de suas músicas fora do Brasil o fez voltar aos EUA onde gravou discos
(o primeiro individual foi The Composer Of 'Desafinado' Plays, de 1965),
participou de shows e fundou sua própria editora, a Corcovado Music.
Nos
anos seguintes, figurões
como Frank Sinatra, Quincy Jones, Stan Getz, Cannonball Adderley, Dave Brubeck,
Paul Desmond e até Elvis Presley se aventuraram com graus de sucesso variáveis
no terreno do Brazilian Jazz, nome pelo qual o
gênero que Tom ajudou a inventar se tornou conhecido nos EUA.
Com
Frank Sinatra, Tom gravou o disco Francis Albert Sinatra e Antônio Carlos
Jobim, em 1967, com arranjos de Claus Ogerman, incluiu versões em inglês de
músicas de Tom (The Girl From Ipanema, How Insensitive, Dindi, Quiet Night of
Quiet Stars) e composições americanas, como I Concentrate On You, de Cole
Porter. Foi o segundo disco mais vendido nesse ano nos EUA, onde o carioca
chegou a ser chamado de Gershwin brasileiro.
No
fim dos anos 60, depois de lançar o disco Wave (com a faixa-título, Triste,
Lamento e várias músicas instrumentais), participou de festivais no Brasil
ganhando, inclusive, o primeiro lugar no III Festival Internacional da Canção
da TV Globo com Sabiá, parceria com Chico Buarque, interpretado por Cynara e
Cybele, do Quarteto em Cy.
Durante
a década de 70, a
música de Tom passou a refletir uma maior influência de compositores clássicos,
especialmente Villa-Lobos, em composições instrumentais de discos como Matita
Perê e Urubu, que marcam a aliança entre a sofisticação harmônica de Tom e sua
qualidade de letrista. São desses dois discos Águas de Março, Luíza, Lígia,
Correnteza, O Boto e Ângela.
Mas
a canção popular continuou sendo de importância central na obra do compositor
que, na mesma época, gravou ótimos discos em parceria com grandes cantoras como
Elis Regina e Miúcha.
Em
1986, Tom oficializou seu segundo casamento com Ana Beatriz Lontra. Em 1987, o
compositor lançou Passarim trazendo, além da faixa-título, a melancólica Anos
Dourados, que entrou na trilha do seriado homônimo da Globo e a trilha da
versão cinematográfica do romance “Gabriela”, de Jorge Amado.
Em
1992, Tom foi tema do desfile da escola de samba Mangueira. A música que compôs
em homenagem à escola foi Piano na Mangueira (com letra de Chico Buarque),
também incluída no repertório de Antônio Brasileiro, seu último disco, lançado
em 1994 e que conta, também, com a participação do cantor inglês Sting na
regravação de Insensatez.
Ainda
em 1994, Tom voltou ao Carnegie Hall, dessa vez para promover a Rainforest
Foundation, ao lado de Sting, Elton John e Luciano Pavarotti.
Tom Jobim morreu no dia 8 de dezembro de 1994, aos 67 anos, em Nova York, durante uma angioplastia. Seu corpo foi enterrado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Deixou quatro filhos.
A
qualidade e a sofisticação musical estampadas em suas canções ainda seduzem e
fascinam ouvintes de todo o mundo porque “... o resto é mar, é tudo o que não sei
contar...”
SAIBA MAIS SOBRE TOM JOBIM:
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* Heloísa Godoy Fagundes é pesquisadora, ghost writer e esportista. Amante da boa música, está há 10 anos no mercado musical de revistas. Já trabalhou na extinta Revista Weril e atualmente é publisher e uma das idealizadoras da Revista Keyboard Brasil.