sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Jean-Luc Ponty - O homem  que reinventou o violinoPARTE 1

  * Por Sergio Ferraz

MESTRE DO VIOLINO E PIONEIRO NA ÁREA DO JAZZ-ROCK, JEAN-LUC PONTY É AMPLAMENTE CONSIDERADO UM INOVADOR QUE APLICOU SUA VISÃO VISIONÁRIA ÚNICA PARA EXPANDIR O VOCABULÁRIO DA MÚSICA MODERNA.

Diferente do uso característico do violino como instrumento da música erudita, o início do século XX ofereceu uma tradição de grandes violinistas que, ao longo de várias décadas, consolidaram o violino como um instrumento solista no jazz.

O pioneiro que pôs o violino como instrumento protagonista no jazz foi Joe Venutti (1903-78), seguido por outros grandes como Eddie South (1904-62), Stuff Smith (1909-1967), Svend Asmussen (1916-) e Stephane Grapelli (1908-1997). Jean-Luc Ponty deu um passo além nesta tradição.


Antes dele, o violino estava ligado à tradição do jazz-francês ou swing jazz, com seu som elegante acompanhado por outros instrumentos acústicos, como o violão. Porém, Jean-Luc Ponty elevou o violino a outro patamar enquanto instrumento solista, criando um estilo de tocar mais agressivo e poderoso, lembrando o sax do John Coltrane. Nos anos 70, ele eletrificou o instrumento, aproximando-o do som de uma guitarra e chegando aos anos 80 com um instrumento de captação MIDI totalmente renovado, contribuindo não só musicalmente, mas também tecnologicamente. 

Jean-Luc Ponty nasceu em uma família de músicos clássicos em 29 de setembro de 1942 em Avranches, França. Teve aulas de violino com seu pai e estudou piano com a mãe. Aos 16 anos foi aceito no Conservatório Nacional Superior de Música de Paris, graduando-se dois anos mais tarde com a honra mais elevada da instituição, Premier Prix (primeiro prêmio). Com isso, Ponty foi imediatamente contratado por uma das principais orquestras sinfônicas, Concerts Lamoureux, na qual tocou por três anos. 

Enquanto tocava na orquestra, Ponty passou a tocar também em gigs de jazz, inicialmente clarinete, que havia aprendido com o pai e, posteriormente, saxofone. Foi nessa época que despertou cada vez mais interesse pela música de Miles Davis e John Coltrane. 

No início, o violino parecia ser uma desvantagem. Poucos viam o instrumento como tendo um lugar legítimo no estilo do jazz moderno. Mas foi com seu som poderoso e evitando o uso do vibrato que Ponty se distinguiu com frases da era be-bop e um estilo agressivo influenciado mais por trumpetistas e saxofonistas, de uma forma que ninguém antes havia experimentado previamente no violino. Ninguém tinha ouvido nada como Ponty!

Podemos dizer que Jean-Luc Ponty teve três fases distintas em sua carreira. A primeira inicia-se nos anos 60 tocando com o violino tradicional de quatro cordas, amplificado por captadores acoplados ao cavalete do instrumento.


Primeira fase  – Sob a influência de Coltrane 
Nessa primeira fase, em 1964 e aos 22 anos, ele lançou seu primeiro álbum solo pela Philips: Jazz Long Playing. Depois, um álbum ao vivo em 1966, chamado Violin Summit, com Ponty tocando ao vivo em Basel na Suíça junto aos veteranos do violino Svend Asmussen, Stéphane Grappelli e Stuff Smith.

Aí vemos claramente o estilo distinto de Jean-Luc Ponty, voltado para o jazz pós be-bop. Seu som seco, forte e virtuoso com frases rápidas, bem ao estilo John Coltrane na fase modal.  

Em 1967, Ponty grava pelo selo World Pacific Jazz os discos Electric Conection, com a Gerald Wilson Big Band e Jean-Luc Ponty Experience, com George Duke Trio.

Em 1969, Frank Zappa compôs as músicas para o álbum solo King Kong, de Jean-Luc; esse álbum é uma obra prima. Vale a pena uma audição cuidadosa para observar os arranjos do Maestro Zappa e a execução primorosa de Jean-Luc Ponty. Essa obra marca também um período transitório da primeira fase para a segunda, onde o estilo modal pós be-bop agora mistura-se mais ainda com elementos do rock. 

Segunda fase  – Mahavishnu e Rock Progressivo 

A segunda fase de Jean-Luc Ponty é particularmente marcante. Ela cobre toda a década de 70 com discos históricos, tanto na sua discografia solo, como em sua participação em trabalhos de outros artistas. 

Podemos dizer que a segunda fase é marcada pela eletrificação do som do violino, aproximando ao som da guitarra. Ponty passa a tocar mais frases pentatônicas e usar pedais de efeitos como phaser, wha-wha e dalay. É marcante também seu violino de 5 cordas da marca Barcus-Berry, de cores azul e vermelho, com seu som característico.

Não podemos deixar de mencionar sua importante participação na fantástica formação da Mahavishnu Orchestra, do virtuoso guitarrista John McLauglhin. 

O álbum Apocalypse (1974), da Mahavishnu Orchestra, é um concerto para banda e orquestra composto por John McLaughlin, tendo Ponty no violino e McLaughlin na guitarra como solistas, além da participação da Orquestra Sinfônica de Londres. Uma obra belíssima densa e complexa, com muitas nuances e mudanças climáticas. 

Ainda em sua participação na Mahavishnu Orquestra, vem na sequência o álbum Vision Of the Emeral Beyond, outra grande obra prima da primeira à última música, com Jean-Luc Ponty e Jonh McLaughlin brilhando em seus solos virtuosos. Destaque para o tema de abertura, Eternety's Breath, uma composição em duas partes. 

Nos anos 70 Jean-Luc Ponty passa a ser admirado não só por fãs de jazz, mas também por admiradores do rock progressivo. Isso se dá por conta dos álbuns Imaginary Voyage (1976), Inigmatic Ocean (1977), Cosmic Messenger (1978), e o clássico Jean-Luc Ponty Live, de 1979, que reúne músicas dos álbuns anteriores já citados. 

O som de Ponty nessa época passa a ter mais influências do rock, com faixas longas divididas em quatro partes. A música Imaginary Voyage é uma composição de 19 minutos dividida em quatro partes. Essa peça abre com rápidas passagens de acordes não tonais e súbitas mudanças de ritmo até a entrada do violino. Destaque para o belo tema do segundo movimento.

Nos anos 80 Jean-Luc mergulhou de cabeça nas inovações tecnológicas que aquela época proporcionou à música. Ele desenvolveu novo violino de corpo maciço e captação MIDI junto a fábrica Zeta. Seu instrumento, seu som e sua música estavam em sintonia com a nova década que se iniciava.

Mas essa é uma história a ser contada na próxima edição.




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* Sergio Ferraz é violinista, tecladista e compositor. Bacharel em música pela UFPE, possui seis discos lançados até o momento. Também se dedica a composição de músicas Eletroacústica, Concreta e peças para orquestra, além de ser colunista da Revista Keyboard Brasil.




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