ATÉ OS ANJOS PECAM: TRÊS “DESLIZES” DE GRANDES COMPOSIORES
CERTOS COMPOSITORES POSSUEM UMA REPUTAÇÃO
TÃO ALTA POR SUA GENIALIDADE, QUE FICA DIFÍCIL ACREDITAR QUE ATÉ MESMO GRANDES CRIADORES
MUSICAIS POSSAM COMETER ENORMES E VERGONHOSOS DESLIZES. NORMALMENTE O FAZEM POR
MOTIVOS POLÍTICOS, E VEREMOS QUE, POR TRÁS DESTES “DESLIZES”, ESTIVERAM SEMPRE DÉSPOTAS
MOMENTANEAMENTE GLORIFICADOS, MAS QUE FORAM RESPONSÁVEIS POR INÚMEROS CRIMES.
EIS UMA BREVE LISTA:
* * Por Maestro Osvaldo Colarusso
1 – Beethoven –
A vitória de Wellington opus 91
Escrita
por Beethoven em 1813 (entre as Sinfonias de Nº 7 e 8) descreve passo a passo a
decisiva batalha que selou a derrota definitiva de Napoleão Bonaparte.
Instrumentos fora de cena descrevem os campos opostos. Para os ingleses,
vencedores, o Hino “Deus salve o Rei” foi utilizado com facilidade, mas “A
marselhesa”, que era uma música considerada subversiva em Viena naquela época é
substituída por cantos populares, inclusive “Ele é um bom camarada…” (Malbrook
s'en va-t-en guerre). No auge da batalha, canhões e tiros são previstos na
partitura. A obra foi inicialmente pensada para uma orquestra mecânica
concebida por Maelzel (Panharmonicom), o inventor do metrônomo, mas tendo em
vista um bom pagamento de seus mecenas acabou optando por se utilizar de uma
grande orquestra sinfônica. Criticado pelo baixo nível da composição Beethoven
deu uma insolente resposta a um crítico que não gostava de sua música em geral:
“O que eu defeco é melhor do que qualquer coisa que você possa imaginar! ”
2 – Richard Strauss –
Música festiva japonesa (Japanische
Festmusik) opus 84
Duas
inequívocas verdades históricas: o envolvimento do grande compositor alemão
Richard Strauss com o governo nazista, e o envolvimento que a Alemanha nazista
tinha com o Japão, que junto com a Itália formaria o assim chamado “Eixo”. Em
1940, em plena segunda guerra mundial,
estaria se comemorando 2600 anos do império japonês (data manipulada
pelas autoridades do Japão da época). Para
a comemoração da data o ministro Joseph Goebbels expressou a ordem do Führer de
que Strauss deveria compor algo para a efeméride. O grande compositor, que já
tinha manchado sua reputação compondo o Hino para as olimpíadas racistas de
1936, acabou escrevendo 15 minutos de “maçaroca” sinfônica, regiamente pagas. Percebemos
lampejos de um dos maiores orquestradores de todos os tempos, mas a desconexa
obra é discretamente ignorada pelos admiradores de “Elektra”, “O cavaleiro da
rosa” e “Assim falou Zaratustra”. Uma mácula, sem dúvida.
3 – Dimitri Shostakovich –
O canto das florestas opus 81
O conflito entre o grande compositor Shostakovich e o ditador Joseph Stalin é muito conhecido, incluindo a censura à ópera Lady Macbeth de Mtzensky e à Sinfonia Nº 4 em 1936. O que é pouco conhecido é o lado subserviente do músico frente ao ditador e frente ao regime, algo que se aproxima a um tipo de sadomasoquismo. Em 1949, para enaltecer um programa de reflorestamento (desastroso do ponto de vista ecológico), o compositor escreveu uma grandiosa cantata para solistas coro e grande orquestra, baseada em texto de Jevgeni Dolmatovski. A música de uma simplicidade e obviedade flagrantes, envolve um texto onde abundam chavões que glorificam o déspota (Stalin) do tipo “Ele é o grande jardineiro”, ou palavras que já conhecemos muito bem até aqui no Brasil atual: ”Ponte para o futuro”. Mais algumas pérolas: “Nossos rios serão preenchidos pelo sangue dos fascistas”, “os jovens comunistas são a esperança para a liberdade” … Quando da ascensão do sucessor de Stalin, Nikita Khrushchev, a alusão a Stalin foi sutilmente omitida. Realmente uma obra vergonhosa não só pelo aspecto musical, mas pelo contexto pessoal do compositor, que teria chorado de vergonha depois da estreia. A obra recebeu o Prêmio Stalin de 1950, e permitiu que o compositor usasse uma “Dacha” do governo.
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* Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado com solistas do nível de Mikhail Rudi, Nelson Freire, Vadim Rudenko, Arnaldo Cohen, Arthur Moreira Lima, Gilberto Tinetti, David Garret, Cristian Budu, entre outros. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
** Texto retirado do Blog Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo.
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