O LIVRO “HARMONIA” DE SCHOENBERG:
ESSENCIAL
E ESQUECIDO NAS ESTANTES!
LONGE DE SER UM LIVRO APROPRIADO PARA SE
INICIAR NO ASSUNTO “HARMONIELEHRE” (“HARMONIA” EM PORTUGUÊS) DO COMPOSITOR AUSTRÍACO
ARNOLD SCHOENBERG É O MAIS COMPLETO TRATADO QUE JÁ SE ESCREVEU SOBRE O ASSUNTO E
JAMAIS DEVE SER ESQUECIDO NAS ESTANTES DOS MÚSICOS.
* * Por Maestro Osvaldo Colarusso
Escrito
em 1911 e dedicado à memória do compositor Gustav Mahler, o livro “Harmonielehre”
(“Harmonia” em português) do compositor austríaco Arnold
Schoenberg (1874-1951) tornou-se fonte de muitos e merecidos
elogios, mas se tornou uma espécie de campeão entre os livros mais esquecidos
nas estantes dos músicos, sobretudo dos músicos brasileiros. Não há dúvida de
que é o mais completo tratado que já se escreveu sobre o assunto, mas é
importante lembrar que está longe de ser um livro apropriado para se iniciar no
assunto.
Não
podemos esquecer que Schoenberg foi um destacado professor no início do século
XX em Viena, e o tipo de reflexão que ele faz em seu livro e no seu trabalho
como professor tem a ver com a extrema sofisticação musical e cultural da então
capital do Império Austro-Húngaro. Seus alunos o procuravam (neste período
sempre deu aulas particulares) já detentores de uma formação não só básica, mas
até mesmo de nível superior, como foi o caso do compositor Anton Webern
(1883-1945), um de seus mais destacados discípulos, que o procurou quando já
tinha concluído seu doutorado em música.
Em
resumo, “Harmonielehre” não é
um livro para iniciantes, mas não tenho dúvidas de que é um livro essencial
para qualquer músico. Nas centenas de páginas do livro o autor faz
uma magistral reflexão sobre cada tópico, passando com desenvoltura acentuada
em cada processo da linguagem musical que dominou exclusivamente o pensa mento
musical ocidental por quase três séculos. O livro chega a propor uma maneira
revolucionária de prática para o aprendizado harmônico, onde não haveriam nem
baixos dados e nem melodias para serem harmonizadas: tudo seria criado pelo
próprio aluno, que necessitaria possuir uma desenvolvida escuta interna.
Este
ambiente favorável a este tipo de proposição desaparece da vida do autor quando
Schoenberg se viu forçado a mudar para os Estados Unidos, fugindo do nazismo, e
sua metodologia mudou radicalmente, tornando-se muito mais pragmática. Sua
aluna americana Dika Newlin no valioso livro “Schoenberg remembered” (Pendragon
Press, não traduzido para o português) fala de um certo desespero do compositor
austríaco frente ao nível medíocre de seus alunos americanos, e sua forçada
mudança de método.
O
livro “Funções estruturais da harmonia” (edição brasileira da Via Lettera) que
Schoenberg escreveu em Los Angeles junto a seu discípulo Leonard Stein na
década de 40, se parece muito mais com um típico manual: prático, conciso e
objetivo. Há uma certa decepção e até mesmo uma desinformação quando se pensa
que o livro “Harmonia” de Schoenberg seria uma iniciação à estética não tonal.
Realmente, no ano da conclusão do livro ele já tinha escrito obras totalmente
atonais, mas o livro “Harmonia” está longe de ser um guia para o atonalismo.
Ele chega a citar algumas incursões por soluções não tonais numa parte
extremamente pequena do livro, mas ele sempre defendeu a necessidade de se
conhecer muito bem o sistema tonal para que haja um alicerce em busca de outros
idiomas.
O
livro é muito mais esclarecedor e num certo sentido mais universal do que obras
de outros teóricos contemporâneos de Schoenberg como Hugo Riemann e Heinrich
Schenker, cujas obras a respeito de harmonia e análise musical excluem uma boa
parte da produção musical não alemã. Apesar de suas reticências, Schoenberg em
seu livro elogia Debussy e Bartók, coisa que os dois teóricos que citei jamais
fariam.
O livro de Schoenberg na realidade brasileira...
Na
insípida formação teórico-musical que temos no Brasil, estamos a anos luz de
distância do ambiente em que surgiu o livro. Minha sugestão para a completa
compreensão do livro de Schoenberg é sempre passar primeiro por um guia bem
prático e objetivo. Neste sentido, recomendo e utilizo o livro de Walther
Piston “Harmony”, em sua quinta edição (W. W. Norton & Company), sobretudo
pelos seus excelentes exercícios. Além disso a nomenclatura utilizada é
extremamente útil para quem pretende estudar nos Estados Unidos, por ela ser
integralmente utilizada por lá. Mas ficar apenas num método como o de Piston é só
andar meio caminho.
Creio
ser importante citar o meu próprio testemunho: conheci o livro de Schoenberg
através do professor Michel Philippot, que o estudou com René Leibowitz, um
aluno de Schoenberg. Fui aluno de Philippot por quatro anos, e quando fui apresentado
à metodologia de Schoenberg já tinha uma boa formação de harmonia, vinda de
meus estudos com os profes-sores Claudio Stephan e Osvaldo Lacerda em São
Paulo. O próprio Philippot me contou que seu contato com o “Harmonielehre” se
deu depois de estudar Harmonia com Georges Dandelot no Conservatório de Paris.
Também conheci (e tive algumas inesquecíveis aulas) o compositor e professor
Max Deutsch, austríaco natura-lizado francês, que foi aluno do próprio
Schoenberg, aliás o último aluno europeu do mestre a falecer (em 1982 aos 90
anos de idade). Pois o próprio Max Deutsch me contou que em 1913, em Viena, leu
todo o “Harmonielehre” em um dia (!), e procurou Schoenberg imediatamente para
ser seu discípulo. Mas creio ser importante lembrar que ele me confessou que ao
ler o livro já tinha uma formação sólida no assunto.
Para
a sorte de nós brasileiros existe uma excelente tradução do livro para o
português. O primoroso trabalho de tradução feito por Marden Maluf foi editado
pela “Editora Unesp”, em 1999. Por muito tempo trabalhei com a tradução para o
espanhol (meus conhecimentos de alemão não me permitem compreender totalmente o original) feita por
Ramon Barce (Real Musical – Madrid) e redescobri o sentido de diversas passagens
na esmerada tradução da edição brasileira.
Já
tive centenas de alunos de harmonia, mas com poucos fiz todo o roteiro traçado
no tratado de Schoenberg. Apesar de terem sido raras as vezes, confesso que
foram os momentos máximos na minha vida de professor. Cada vez que revisito o “Harmonielehre”
me alegro e chego à conclusão que Schoenberg, além de ter sido um grande
compositor, foi realmente um dos maiores mestres e pensadores musicais de toda
a história. Todos os seus escritos são importantes mas
em “Harmonielehre” ele se supera.
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* Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado com solistas do nível de Mikhail Rudi, Nelson Freire, Vadim Rudenko, Arnaldo Cohen, Arthur Moreira Lima, Gilberto Tinetti, David Garret, Cristian Budu, entre outros. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
** Texto retirado do Blog Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo.
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