quarta-feira, 1 de junho de 2016

KLAUS SCHULZE - Muito além do Kraut

POUCOS TINHAM ENTENDIDO A IMPORTÂNCIA DE ENCONTRAR UM EQUILÍBRIO ENTRE ESPAÇO E RITMO, ENTRE O ÊSTASE E O DINÂMICO, COMO SCHULZE. AO UNI-LOS, O MÚSICO DESCOBRIU UMA RESSONÂNCIA VITAL QUE SE ENCONTRAVA ESCONDIDA DURANTE MILÊNIOS NA ALMA HUMANA.

* Por Sergio Ferraz

Klaus Schulze é um dos pioneiros e 
mais geniais representantes da 
escola eletrônica de Berlin.

No final dos anos de 1960, a Alemanha vivia um cenário cultural rico e criativo. Jovens artistas davam os primeiros passos para a criação de uma música de vanguarda, que estava ao mesmo tempo antenada com as recentes descobertas dos músicos eruditos a exemplo da Elektronische Musik de Stockhausen, Musique Concrète de Pierre Schaeffer, bem como o Rock e o Jazz vindo da América do Norte.

Nessa linha, surgiram bandas como Can, Amon Düül II, Ash Ra Tempel, Faust, PopolVuh, Cluster, Harmonia, Tangerine Dream, Neu!, Kraftwerk, entre outros, representantes do assim chamado Kraut Rock, termo que mesmo rejeitado pelas bandas, passou a designar grupos e artistas da Alemanha do final dos anos 60 e início dos anos 70 que trabalhavam na linha Eletrônica, Minimalista, experimental.

O Kraut Rock pode ser visto como a contra partida alemã do Rock Progressivo Inglês. Enquanto este último tinha por base a textura polifônica barroca inspirada em Bach associada ao rock, o kraut mirava-se nas mais recentes tendências da música erudita.

As mais novas invenções tecnológicas da época a exemplo os sintetizadores analógicos da Moog; Moog modular e Minimoog, também a marca inglesa EMS, que lançou no início dos anos 70 o VCS-3, Synthi AKS, Synthi-A entre outros, possibilitou aos músicos explorar novos sons e texturas jamais antes ouvidas.

Concerto em Linz, Áustria, 
no ano de 1980.

Foi nesse ambiente fértil que Klaus Schulze, nascido em Berlin em 4 de agosto de 1947, deu sua contribuição no caminho para uma música que olhava para o futuro.

Em 1969, Schulze tocou bateria na primeira formação do Tangerine Dream, outro importante grupo do Kraut Rock, gravando naquele mesmo ano o primeiro álbum, Electronic Meditation. Em 1970, Schulze deixa o Tangerine Dream para formar o Ash Ra Tempel com Manuel Göttschingand e Hartmut Enke, outros importantes músicos da cena Kraut.

Manuel Göttsching, Rosi, Klaus Schulze, Hartmut Enke, 
Edgar Froese, Peter Baumann, Chris Franke - depois do 
concerto realizado em Paris, em 15 de fevereiro de 1973, 
integrantes das bandas Ashra Tempel e Tangerine Dream.

Um fato curioso em sua carreira: em 1976, Schulze foi convocado pelo percussionista japonês e compositor Stomu Yamashta para participar de um supergrupo, o Go, que também contava com a participação de Steve Winwood, Michael Shrieve, e ninguém menos que Al Di Meola! 

O Go teve vida curta, eles lançaram dois álbuns de estúdio (GO, em 1976 e Go Too, em 1977) e um álbum ao vivo (“Live from Paris”, gravado em 1976 e lançado no ano seguinte), que passou a se tornar um favorito cult.

Klaus Schulze desenvolveu um som mais orgânico do que outros artistas eletrônicos do seu tempo. Schulze também usa instrumentos acústicos, tais como guitarra acústica e uma voz operística masculina em Black dance (1974), ou um violoncelo em Dune (1979). Ele desenvolveu uma técnica no Minimoog que soa estranhamente como uma guitarra elétrica, que impressiona bastante em um concerto.

Ao longo de cinco décadas, Klaus Schulze lançou mais de 60 álbuns. Farei aqui um breve resumo dos discos mais importantes de sua carreira.

IRRLICHT (Ohr Records – 1972)

Foi então em agosto de 1972 que Klaus Schulze lança seu primeiro álbum solo, Irrlicht. O título completo, Irrlicht: Quadrophonische Symphonie für Orchesterund E-Maschinen (Sinfonia quadrifônica para orquestra e equipamentos eletrônicos). 

O álbum tem três faixas, ou três movimentos da peça e são:
1. Satz: Ebene 23:23
2. Satz: Gewitter (energy rise-energy collaps) 5:39
3. Satz: Exil Sils Maria 21:25

Irrlicht é extremamente ousado! Trata-se de uma composição instrumental complexa dividida em três partes. Schulze faz uso de closters orquestral, acordes de colorido impressionista, dissonância, atonalidade e espacialização sonora.

É surpreendente o fato que em Irrlicht, Schulze não fez uso de sintetizadores. A obra é composta com um órgão elétrico modificado, misturado a uma orquestra sinfônica com o som filtrado por um amplificador e invertido. Em outras palavras, Schulze fez uso de técnicas de composição eletroacústica e música concreta para compor Irrlicht, dessa forma aproximando muito mais o  álbum de um segmento eletroacústico do que do rock.  Fato que o próprio compositor admitiu: “Irrlicht ainda tem mais conexões com a Musique Concrète do que com a música eletrônica de hoje. Eu ainda não possuía sintetizadores naquela época.”

Em 2006, Irrlicht foi reeditado pela Revisited Records, como parte de uma série de álbuns do Klaus Schulze reeditado em edição especial.

Na edição de 2006, Irrlicht vem com uma faixa bônus, Dungeon, de 24 minutos.

CYBORG (Ohr Records – 1973)

Cyborg, gravado entre fevereiro a julho e lançado em outubro de 1973, segue o mesmo estilo do primeiro álbum. Em Cyborg, Schulze faz uso do sintetizador inglês da EMS Synthi A, órgão, percussão e a Colloquium Musica Orchestra. 

Cyborg também é dividido em três faixas. São elas:
1. Synphära 22:48
2. Conphära 25:51
3. Chromengel 23:49

Synphära é em andamento bastante lento, ouve-se os cellos em primeiro plano e a orquestra em textura polifônica tocando acordes a intervalos de segunda menor fazendo uma “cama harmônica” para os sons granular do synthi-A flutuar sobre a textura.

Em Conphära um pulso rítmico acelerado é gerado no sintetizador para servir de base “mântrica” a composição. Sobre o ritmo, Klaus Schulze desenvolve um tema cordal no órgão.  

Chromengel como Synphära é em andamento bastante lento. Sobre uma base estática Schulze desenvolve um tema cordal no órgão. A sonoridade do instrumento destaca-se nessa composição chegando a trazer uma aura barroca já natural do órgão. Aos poucos sons sintetizados aparecem ao redor criando um padrão rítmico. Uma paisagem eletrônica se faz em nossa mente.

Klaus Schulze é mestre em organizar os componentes sonoros equilibradamente em sua composição, nos dando a possibilidade de “ver” o desenvolvimento da paisagem sonora que forma-se e se transforma diante de nós, ou dentro das nossas mentes.

Cyborg também foi reeditado em 2006 pela Revisited Records numa edição especial com duas faixas bônus. São elas: “Neuronen gesang” 24:43  e “But Beautiful” com 50:55, essa última foi gravada ao vivo em um concerto em Bruxelas na Cathédrale St. Michel, em 17 de outubro de 1977.

TIMEWIND (Brain Records – 1975)

Timewind foi gravado de março a junho de 1975 e lançado em agosto daquele mesmo ano. É considerado por muitos a obra prima de Klaus Schulze, embora o autor discorde disso dizendo, segundo ele, que Timewind foi somente muito mais bem divulgado em todo o mundo do que seus outros trabalhos. Em minha modesta opinião, Timewind é, de fato, o álbum clássico – um dos melhores trabalhos já realizados do Kraut Rock.

Em Timewind, Schulze alcança maturidade em ideias que vinham sendo exploradas em seus trabalhos anteriores. Aqui os elementos da forma composicional estão lapidados, percebe-se com clareza o desenvolvimento temático da composição. Klaus Schulze em seu Timewind explora a forma expandida. Há apenas duas composições, cada uma tomando um lado inteiro do LP.  A primeira, “Bayreuth Return” com 30:32 minutos, e no lado B, “Wahnfried 1883” com 28:38 minutos. Ambas clara referência ao compositor alemão do século XIX , Richard Wagner.

Bayreuth é a cidade da Bavária onde Richard Wagner construiu sua monumental casa de ópera, e Wahnfried é o nome da residência do compositor em Bayreuth, onde Wagner foi sepultado no ano de 1883.

O álbum ganhou o prêmio Grand Prix du Disque da L'Académie Charles Cros, e, em 2002, “Timewind” e “Migare” (1977) foram incluídos na lista dos vinte e cinco melhores álbuns de Ambient Music de todos os tempos.

“Bayreuth Return” foi gravada em um gravador de dois canais em um único take, é basicamente “ao vivo no estúdio”.  A base da composição é um único padrão rítmico-melódico criado em um sequencer analógico, o padrão é transposto e manipulado em tempo real. A manipulação consiste principalmente de mudar o ponto de 'retorno' da sequência.

Esse foi o primeiro trabalho em que Klaus Schulze usou um Synthanorma Sequencer em suas composições. “Bayreuth Return” pode ser vista também como uma “raga indiana”. A base criada no sequencer em andamento rápido, é mantida durante toda a música enquanto elementos melódicos, harmônicos e texturas de síntese granular desenvolvem o grande tema meditativo e sereno até o grande êxtase final. Mais uma vez a maestria de Schulze em levar o ouvinte para um mundo de sons, como numa viagem a dimensões cósmicas além mundo... 

“Wahnfried 1883”, em contraste, é uma peça em andamento lento e clima solene, foi composta e gravada em multipista. “Wahnfried” nos leva para o sonho do “homem-superior” o übermensch de Nietzsche, a morada dos Deuses, a Walhalla de Odin e Thor. 

Destaca-se também a bela composição de timbres; do órgão Farfisa Professional Duo com os Elka String Synthesizer, ARP Odyssey e EMS Synthi-A. Sem dúvida, “Timewind” é uma obra de arte da música eletrônica de performance ao vivo!

Os instrumentos usados por Klaus Shulze em “Timewind” são: ARP 2600, ARP Odyssey, EMS Synthi-A, Elka String Synthesizer, Farfisa Professional Duo Organ e Piano, Synthanorma Sequencer.

“Timewind” também foi reeditado em 2006 pela Revisited records, numa edição especial com mais três musicas extras são elas:
1. “Echoes of Time” 38:42
2. “Solar Wind” 12:35
3. “Windy Times” (do Contemporary Works I) 4:57

Ao longo de cinco décadas, 
Klaus Schulze lançou 
mais de 60 álbuns. 

Outros álbuns na sua longa discografia que vale destacar por sua criatividade e ousadia composicional são: “Moondawn” (1976), “Mirage” (1977), “Dune” (1979), “Live” (1980), “Das Wagner Desaster Live” (1994), “Kontinuum” (2007), esses três últimos são álbuns ao vivo. 

Nos anos de 1980, Klaus Schulze começa a usar teclados digitais e sequencer tornando sua música mais acessível e menos experimental. Fato comum a muitos músicos, para não dizer quase todos que sobreviveram aos anos 80. Essa mudança para um estilo acessível, fica evidente no álbum “Trancefer” (1981).

Na década seguinte, destaque para “Beyond Recall” (1991). Os anos 90 é a época de predominância dos samples. Klaus Schulze usa uma ampla variedade de samples nas músicas dessa época.

Em 2005 Schulze inicia o trabalho de reedição de sua obra começando pelos álbuns clássicos da década de 1970. Também, nessa época, produz álbuns e realiza concertos em parceria com a cantora Lisa Gerrardt. 

Na década seguinte, lançou seu álbum quadragésimo (“Big in Japan: Live in Tokyo” 2010) em setembro de 2010. Klaus Schulze entrou em sua quinta década como um artista solo. Seu próximo álbum, “Shadow lands”, foi lançado em fevereiro de 2013. Logo em seguida, em março de 2013, Schulze lança gravações raras e inéditas da parceria Schulze-Schickert feitas em 1975.

Também em 2013, Klaus Schulze lamentavelmente anunciou que estava encerrando sua carreira de concertos.

Nos resta apreciar essa vasta obra, rica em elementos musicais diversos, minimalismo, harmonia expandida, atonalismo, eletroacústico, música concreta, eletrônico etc. Sem sombra de dúvida Klaus Schulze escreve seu nome na história da música como um dos desbravadores da música eletrônica muito além do kraut!



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* Sergio Ferraz é violinista, tecladista e compositor. Bacharel em música pela UFPE, possui seis discos lançados até o momento. Também se dedica a composição de músicas Eletroacústica, Concreta e peças para orquestra, além de ser colunista da Revista Keyboard Brasil.



2 comentários:

  1. Gostaria de saber quais sequencias harmônicas o Schulze utiliza em suas composições, e quais eu poderia utilizar para fazer arranjos. Belo artigo sobre Schulze !

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  2. Klaus schulze realmente é fenomenal seu som cósmico atinge todo um universo musical

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