quarta-feira, 29 de junho de 2016

NACIONALISMO NA  Música erudita - Parte 1 

AS MARCAS CULTURAIS DE CADA POVO ESTÃO GRAVADAS NAS SUAS MAIS DIVERSAS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS E, SOBRETUDO, NA MÚSICA. FOI A PARTIR DO FINAL DO SÉCULO XIX QUE NOTADAMENTE OS COMPOSITORES ERUDITOS SENTIRAM A NECESSIDADE DE TRAZER ESSAS MARCAS PARA DENTRO DE SUA MÚSICA, RESULTANDO EM DIVERSOS MOVIMENTOS NACIONALISTAS. 


 * Por Sergio Ferraz

Dificilmente algum compositor erudito que vivesse em algum lugar da Europa no final do século XIX conseguiria livrar-se da influência de Richard Wagner. A obra de Wagner, por meio das suas técnicas de harmonia expandida com suas complexas alterações cromáticas de acordes, constante mudança de tonalidade e leitmotiv, deu o primeiro passo na direção da música que iria surgir a partir de 1890 e reafirmou, mais uma vez, a supremacia da música alemã.

Essa supremacia alemã passou também a ser vista como uma ameaça à música dos compositores de outros países como os do leste europeu e também Rússia, Espanha, Inglaterra, França, Estados Unidos e América Latina. Nesses lugares, os compositores cada vez mais voltaram o seu olhar para os elementos étnicos do seu povo, buscando os motivos musicais para uma música genuinamente nacional e, portanto, serem reconhecidos também como compositores com sua própria identidade musical.

É bom lembrar que isso não era, de fato, uma novidade na música. Os compositores de meados do século XIX já tinham usado elementos folclóricos em suas músicas no intuito de dar um colorido exótico às suas composições, como é o caso, por exemplo, das Polonaise de Chopin, ou das Rapsodias Húngaras, de Liszt. Porém, nesses casos, os elementos étnicos eram bastante filtrados para poder encaixar-se ou adaptar-se aos compassos usuais no caso de motivos rítmicos, e as melodias adaptadas às tonalidades maior/menor vigente naquela época.

Diferentemente com os nacionalistas, os motivos melódicos e rítmicos que eram extraídos da música popular levaram os compositores a quebrarem com o uso dos compassos tradicionais, bem como em muitos casos a harmonia tonal fora substituída pela modal, conferindo uma personalidade bastante própria e inovadora a essa música.

Rússia, o grupo dos cinco...

Ao lado, o grupo dos cinco (de cima para baixo): 
Mily Balakirev, César Cui, Alexander Borodin, 
Modest Mussorgsky e Nikolai Rimsky-Korsakov.


Durante boa parte do século XIX, a música erudita que era ouvida neste país vinha de compositores italianos, franceses e, sobretudo, alemães. O primeiro grande compositor reconhecido dentro e fora da Rússia com uma música genuinamente russa foi Mikhail Glinka (1804-1857). A ópera “Uma vida pelo Czar” de 1836, firmou o nome de Glinka no hall dos grandes compositores e, embora essa ópera tenha ainda uma forte influência da ópera italiana e francesa, o caráter russo é fortemente destacado. 

Mas foi próximo à virada do século XIX que surgiu um grupo de compositores comprometidos fortemente com a ideia nacionalista para uma música russa. O Moguchay Kuchka, ou “o grupo dos cinco” era formado por Mily Balakirev (1837-1910), Alexander Borodin (1833-1887), César Cui (1835-1918), Modest Musorgsky (1839-1881) e Nicolai Rimsky-Korsakov (1844-1908).

Desses cinco compositores apenas Balakirev foi o único que teve formação musical em escola. O grupo dos cinco realizava reuniões sistemáticas onde se auto instruíam e rejeitaram o Conservatório de São Petersburgo por julgarem uma instituição de ensino musical germanista doutrinadora.

Balakirev usou melodias populares no poema sinfônico Rússia, de 1887, e na fantasia para piano Islamey, de 1869. Borodin, que era químico de profissão e, na juventude, tinha um forte interesse na música de Mendelssohn, foi convertido por Balakirev à música russa e tornou-se um ardente nacionalista. As obras mais importantes de Borodin são a 2ª Sinfonia em Si menor de 1876, o Segundo Quarteto de Cordas em Ré maior de 1885, o esboço sinfônico Na Ásia Central de 1880, e a ópera Príncipe Igor, concluída após sua morte por Rimsky-Korsakov e estreada em 1890.

Certamente, o mais famoso compositor do grupo dos cinco, ao lado de Rimsky-Korsakov, foi Modest Musorgsky. Musorgsky recebeu de Balakirev grande parte da sua formação musical. Suas obras mais importantes são a fantasia sinfônica Uma noite no Monte Calvo de 1867; os ciclos de canções Sem Sol de 1874, Canções e danças da Morte de 1875, as óperas Boris Godunov de 1874 e Khovanshchina, que foi concluída por Rismky-Korsacov e estreada em público em 1897. 

O grupo de rock progressivo inglês Emerson, Lake & 
Palmer fez uma versão progrock, popularizando o 
compositor russo Mussorgsky entre o público jovem.

Mas, certamente, a mais famosa de todas as suas peças é a série para piano Quadros de uma Exposição, de 1874. Essa peça mais tarde foi orquestrada por Maurice Ravel (1875-1937) e nos anos de 1970 o grupo de rock progressivo inglês Emerson, Lake & Palmer fez uma versão progrock, popularizando o compositor russo entre o público jovem.



Segundo alguns pesquisadores, foram os russos os responsáveis pela introdução da modalidade no vocabulário harmônico da música europeia, tendo esse aspecto exercido grande importância na música feita no início do século XX. De acordo com Donald Grout e Claude Palisca, Musorgsky foi um dos mais originais e revolucionários dos compositores no campo da harmonia.  Grout e Palisca citando Abraham, diz que Musorgsky, “livre dos hábitos tradicionalmente aceitos e pouco habituado a utilizar as fórmulas padronizadas, viu-se obrigado a trabalhar longamente ao piano as suas harmonias audaciosas, novas, ásperas, mas curiosamente certas, para as quais, como para seus ritmos, poderá ter recorrido às reminiscências do canto popular polifônico”. 

O compositor francês Claude Debussy (1862-1918), ficou impressionado com o uso que Musorgsky faz das progressões harmônicas não funcionais em O Konchen Praedny. Dessa peça Debussy extraiu o motivo de acompanhamento para sua famosa obra Nuages.

Outro grande compositor do grupo dos cinco, Rimsky-Korsakov é uma espécie de elo entre essa geração, e os compositores russos do início do século XX. Ele foi a figura que puxou um novo movimento de jovens músicos russos na década de 1880. 

Korsakov aos poucos afastou-se do ciclo de Balakirev, indo em direção a um estilo e métodos de recursos mais amplos e mais ecléticos, porém ainda fortemente nacionalista. Foi professor do Conservatório de São Petersburgo e exerceu também atividade como maestro, sendo também mestre de Igor Stravinsky (1882-1971) e Glazunov (1865-1936). 
"Segundo alguns pesquisadores, foram os russos os responsáveis pela introdução da modalidade no vocabulário harmônico da música europeia, tendo esse aspecto exercido grande importância na música feita no início do século XX." - Sergio Ferraz
Rimsky-Korsakov escreveu sinfonias, música de câmara, coros e canções. Dentre sua vasta obra destacam-se  Capricho Espanhol de 1887, a suíte sinfônica Scherazade, de 1888 e  Abertura de Páscoa Russa, de 1888.

Ainda no final do século XIX, podemos ver em diversos países da Europa, compositores que inclinaram-se na direção do nacionalismo, buscando em suas raízes elementos para suas composições. Tal como vimos na Rússia, também na República Tcheca temos Bedrich Smetana (1824-1884) e Antonin Dvorak (1841-1904). 

O nacionalismo de Smetana e Dvorak evidencia-se principalmente na escolha de temas nacionais para música programática e as óperas. Outro compositor tcheco de tendência exclusivamente nacionalista foi Leos Janacek (1854-1928). Janacek, a partir de 1890, renunciou deliberadamente aos estilos da Europa ocidental. Assim como Bartók e, antes dele, Janacek dedicou-se incansavelmente à pesquisa da música popular Tcheca, desenvolvendo seu estilo a partir de ritmos e inflexões da fala e do canto dos camponeses morávios. 

Continua...


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* Sergio Ferraz é violinista, tecladista e compositor. Bacharel em música pela UFPE, possui seis discos lançados até o momento. Também se dedica a composição de músicas Eletroacústica, Concreta e peças para orquestra, além de ser colunista da Revista Keyboard Brasil.

 
   



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