BACHIANAS BRASILEIRAS nº 5 E A DIFÍCIL ARTE DE SE CANTAR EM PORTUGUÊS
A BACHIANAS BRASILEIRAS Nº 5 É A COMPOSIÇÃO CLÁSSICA BRASILEIRA MAIS CONHECIDA NO MUNDO E, POR SER UMA OBRA VOCAL, LEVANTA O PROBLEMA SÉRIO DO CANTO LÍRICO NA LÍNGUA PORTUGUESA. ANTES DE COMENTARMOS OS PROBLEMAS SÉRIOS DE PRONÚNCIA EM NOSSO IDIOMA VALE A PENA FALAR UM POUCO DA OBRA.
** Por Maestro Osvaldo Colarusso
Bachianas Nº5 – Curiosidades que pouca gente conhece
Villa-Lobos escreveu esta com-posição para soprano e orquestra de violoncelos em duas etapas: em 1938 escreveu a primeira seção, a “Ária” (Cantilena), e somente em 1945 escreveu a “Dança” (Martelo). Isso explica a razão do primeiro registro fonográfico da composição, com a célebre cantora brasileira Bidu Sayão (1902-1999), realizado em 1938 e regido pelo próprio compositor, só conter a primeira seção, pois a segunda só seria escrita sete anos depois. Somente depois de ter composto a última Bachianas, a de número nove, é que Villa-Lobos escreverá a segunda seção da obra, a “Dança”. “Se a ideia da “Ária” era imitar um Choral figurado de Bach, a segunda parte, a “Dança” nos remete ao nordeste do Brasil, especialmente na maneira de imitar os cordelistas. Ao colocar o termo “Martelo” nesta segunda seção ele se refere não a um tipo de dança nordestina mas, sim, a um estilo poético inventado pelo escritor Jaime Pedro Martelo (1665-1727) que inventou um tipo de poema frequentemente usado pelos cordelistas. Se a “Ária”, em sua parte central, contém um texto pouco relevante de Ruth Valadares Corrêa (cantora responsável pela estreia mundial desta seção), na segunda parte temos uma poesia de um grande nome da literatura brasileira: Manuel Bandeira (1886-1968).
O que pouca gente sabe é que Villa-Lobos escreveu a música sem texto, e foi pedir para o poeta colocar um texto numa música já pronta. O poeta não gostou muito da ideia, e ele mesmo declarou uma vez: “Esta tarefa de escrever texto para melodia já composta, coisa que fiz duas vezes para Jaime Ovalle e muitas vezes para Villa-Lobos, é de amargar. Pode suceder que depois de pronto o trabalho, o compositor ensaia a música e diga: – Ah, você tem que mudar esta rima em i, porque a nota é agudíssima e fica muito difícil emití-la nessa vogal”. Mas, percebemos que Villa-Lobos modificou algumas coisas na parte musical por causa da poesia. Exemplos mais flagrantes acontecem quando o poema fala “Seu assobio é tua flauta de irerê” e o compositor utiliza harmônicos agudos nos violoncelos, e quando o canto dos pássaros é imitado pelos instrumentos. Como sempre, a intuição do compositor acabou gerando uma obra muito convincente, mesmo que sua estrutura não tenha sido previamente pensada.
Existem dois problemas para uma a perfeita pronúncia de nosso idioma em obras clássicas, o que fica mais aparente nesta obra tão famosa. O primeiro deles é uma ausência de formação no ensino de canto tendo em vista a nossa língua pátria. Um aluno de canto inicia seus estudos com árias antigas em italiano. Posteriormente, canções em alemão ou francês, e acaba se aprimorando em trechos de óperas de Verdi, de Mozart, de Puccini. Com isso, fica flagrante que não temos uma escola brasileira de canto. Se ouvimos às vezes cantores brasileiros cantando obras em português com “sotaque” italiano, temos que entender que esta é a referência deles. O segundo dos problemas para uma boa pronúncia em português é bem mais problemático: o desprezo por nosso idioma da parte de cantores estrangeiros. O exemplo mais flagrante disso são as gravações de obras de Villa-Lobos (“Bachianas 5” e “Floresta do Amazonas”) da grande cantora norte-americana Reneé Fleming. Ela, que é excelente e canta com perfeita pronúncia em italiano, francês, alemão e tcheco, apresenta um português péssimo, se assemelhando algumas vezes a algum idioma “artificial” como o esperanto. O mesmo se passa com as cantoras Dona Brown e Anna Korondi, que apresentam pronúncias sofríveis em gravações das mesmas obras realizadas com a OSESP. Aliás, nunca entendi estas artistas terem sido convidadas para gravar obras tão importantes do repertório nacional com nossa principal orquestra, sendo que entre as brasileiras existem dúzias de cantoras excelentes (Adélia Issa, Adriane Queiroz, Marília Vargas, Celine Imbert, entre tantas outras) que poderiam fazer jus ao texto das obras. Vale a pena salientar que na gravação integral das “Bachianas Brasileiras” lançada pelo selo Naxos e gravada de forma exemplar nos Estados Unidos, a solista da “Bachianas Nº 5” é uma brasileira, Rosana Lamosa. Manuel Bandeira agradece. Outros exemplos desastrosos em termos de pronúncia são da russa Galina Vishnevskaya e da americana Barbara Hendricks.
Duas cantoras estrangeiras merecem destaque quando falamos das “Bachianas N° 5”, especialmente na questão da pronúncia de nosso idioma. A grande surpresa é a cantora ítalo-americana Anna Moffo. Ela gravou esta obra com a American Symphony Orchestra regida por Leopold Stokowski, no ano de 1964. A doçura de sua voz na “Ária” e a precisão da pronúncia na “Dança” sempre me impressionaram. É uma gravação que todo brasileiro deveria conhecer. Outra intérprete da obra que deixou um registro marcante é a catalã Victória de Los Angeles, que gravou a obra em Paris na década de 50 sob a regência do autor. Sua pronúncia da “Dança” é muito boa, e sua expressão na “Ária” é exemplar.
Para completar falo de uma execução que julgo ser, dentre as realizadas por cantoras brasileiras, a que mais me agrada: o registro feito por Maria Lúcia Godoy sob a regência de Alceo Bocchino. Infelizmente não tenho informações de quem são os violoncelistas, pois soam de maneira tão boa que adoraria cita-los aqui. Tenho certeza que Manuel Bandeira adoraria ver suas palavras cantadas com tanta clareza e com tanta expressão.
* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo.
** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
Manuel Bandeira, poeta brasileiro
O que pouca gente sabe é que Villa-Lobos escreveu a música sem texto, e foi pedir para o poeta colocar um texto numa música já pronta. O poeta não gostou muito da ideia, e ele mesmo declarou uma vez: “Esta tarefa de escrever texto para melodia já composta, coisa que fiz duas vezes para Jaime Ovalle e muitas vezes para Villa-Lobos, é de amargar. Pode suceder que depois de pronto o trabalho, o compositor ensaia a música e diga: – Ah, você tem que mudar esta rima em i, porque a nota é agudíssima e fica muito difícil emití-la nessa vogal”. Mas, percebemos que Villa-Lobos modificou algumas coisas na parte musical por causa da poesia. Exemplos mais flagrantes acontecem quando o poema fala “Seu assobio é tua flauta de irerê” e o compositor utiliza harmônicos agudos nos violoncelos, e quando o canto dos pássaros é imitado pelos instrumentos. Como sempre, a intuição do compositor acabou gerando uma obra muito convincente, mesmo que sua estrutura não tenha sido previamente pensada.
A língua portuguesa: desafio para os cantores líricos
A partitura completa poderá ser adquirida pelo e-mail:contato@keyboard.art.br
Existem dois problemas para uma a perfeita pronúncia de nosso idioma em obras clássicas, o que fica mais aparente nesta obra tão famosa. O primeiro deles é uma ausência de formação no ensino de canto tendo em vista a nossa língua pátria. Um aluno de canto inicia seus estudos com árias antigas em italiano. Posteriormente, canções em alemão ou francês, e acaba se aprimorando em trechos de óperas de Verdi, de Mozart, de Puccini. Com isso, fica flagrante que não temos uma escola brasileira de canto. Se ouvimos às vezes cantores brasileiros cantando obras em português com “sotaque” italiano, temos que entender que esta é a referência deles. O segundo dos problemas para uma boa pronúncia em português é bem mais problemático: o desprezo por nosso idioma da parte de cantores estrangeiros. O exemplo mais flagrante disso são as gravações de obras de Villa-Lobos (“Bachianas 5” e “Floresta do Amazonas”) da grande cantora norte-americana Reneé Fleming. Ela, que é excelente e canta com perfeita pronúncia em italiano, francês, alemão e tcheco, apresenta um português péssimo, se assemelhando algumas vezes a algum idioma “artificial” como o esperanto. O mesmo se passa com as cantoras Dona Brown e Anna Korondi, que apresentam pronúncias sofríveis em gravações das mesmas obras realizadas com a OSESP. Aliás, nunca entendi estas artistas terem sido convidadas para gravar obras tão importantes do repertório nacional com nossa principal orquestra, sendo que entre as brasileiras existem dúzias de cantoras excelentes (Adélia Issa, Adriane Queiroz, Marília Vargas, Celine Imbert, entre tantas outras) que poderiam fazer jus ao texto das obras. Vale a pena salientar que na gravação integral das “Bachianas Brasileiras” lançada pelo selo Naxos e gravada de forma exemplar nos Estados Unidos, a solista da “Bachianas Nº 5” é uma brasileira, Rosana Lamosa. Manuel Bandeira agradece. Outros exemplos desastrosos em termos de pronúncia são da russa Galina Vishnevskaya e da americana Barbara Hendricks.
Anna Moffo, cantora ítalo-americana - pronúncia exemplar
Duas cantoras estrangeiras merecem destaque quando falamos das “Bachianas N° 5”, especialmente na questão da pronúncia de nosso idioma. A grande surpresa é a cantora ítalo-americana Anna Moffo. Ela gravou esta obra com a American Symphony Orchestra regida por Leopold Stokowski, no ano de 1964. A doçura de sua voz na “Ária” e a precisão da pronúncia na “Dança” sempre me impressionaram. É uma gravação que todo brasileiro deveria conhecer. Outra intérprete da obra que deixou um registro marcante é a catalã Victória de Los Angeles, que gravou a obra em Paris na década de 50 sob a regência do autor. Sua pronúncia da “Dança” é muito boa, e sua expressão na “Ária” é exemplar.
Ana Moffo - Villa Lobos: Bachianas Brasileira n.5
Maria Lúcia Godoy - Bachianas Brasileiras nº 5 - Cantilena e Dança do Martelo - H.Villa-Lobos
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* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo.
** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
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