sábado, 6 de fevereiro de 2016


HÉLÈNE GRIMAUD -  A MENSAGEIRA DA BELEZA!


EM UM MUNDO COMO ESTE, ONDE MUITAS MULHERES COMO CAMILLE CLAUDEL E SIMONE DE BEAUVOIR SOFRERAM E AINDA SOFREM, É UMA ESPERANÇA VIVA VER A PIANISTA HELENE GRIMAUD CAMINHANDO PELO MUNDO. 

* Por Patrícia Santos


QUAL É A ARTE FEMININA?

As sufragistas foram mulheres que sofreram muito no século XIX. Reivindicavam pelo direito da mulher na democracia. Sofreram, foram agredidas brutalmente. Neste e em muitos outros movimentos feministas, houve sangue e morte de muitas, antes mesmo de verem seus ideais concretizados.

Camille Claudel foi uma brilhante escultora francesa, aprendiz e ajudante de Auguste Rodin. Dona de uma sensibilidade extraordinária, pagou um preço altíssimo por sua personalidade revolucionária, que não era e não é permitida para mulheres. Foi jogada num manicômio, tendo permanecido lá, por mais de trinta anos, e após ter vivido as piores dores existenciais, foi abandonada. Chegou ao fim da vida incompreendida, sozinha e renegada, como é típico acontecer com pessoas que possuem um curioso tipo de genialidade.

A linda Simone de Beauvoir! Em plena atualidade, ano de 2015, uma mulher brilhante e impressionante na história do pensamento e do feminismo, deixou uma legado literário invejável e incomparável, é agredida postumamente com acusações e palavras aviltantes, que tentaram inviabilizar todos os seus escritos e valores criados.

Eu, aos vinte e oito anos de idade, me orgulho com felicidade infinita de ser mulher, e lamento profundamente por essas e tantas outras mulheres que dia após dia, lutam incansavelmente por seus espaços e direitos, por sofrerem em silêncio e até os dias de hoje passarem por situações que a meu ver, na minha rasa utopia, ser humano nenhum deveria passar.

Claro que a política e a fome são assuntos de extrema urgência a serem debatidos e resolvidos. Mas o comporta-mento humano e o modo como lidamos com o semelhante, também é um assunto (para aqueles que se preocupam com o mundo e com o outro) para validarmos a todo instante. Saídas para soluções devem ser encontradas em muitos âmbitos. Sempre enxergo a arte como aquele feixe de luz que entra pela janela no escuro, aquela brisa que vem justamente quando estamos sufocados e precisando de um respiro.

A arte, sem dúvida, traz algum alento, seja para quem vê ou para quem cria, não importando se há fama, elogios ou aplausos, o artista será sempre artista, sozinho dentro de seu pequeno quarto com seu singelo universo, ou num palco com luzes aplausos e público. Aliás, se o artista se preocupa com isso, sempre entro na questão: "Está havendo ou não arte no enredo em que o artista criou e se colocou?" Há certa "falta" e  "sobra", que daria outro pensamento. Comecei a pensar nisso, na época em que iniciei os métodos introdutórios ao piano. E sempre pensava: "Por que o desempenho é algo que mexe tanto comigo? Eu não devia me preocupar apenas em desenvolver a habilidade e técnica para aprender tocar as lições?" 

Hélène Grimaud, pianista francesa de quarenta e seis primaveras, apaixonada por lobos e natureza, foi a resposta para todas as minhas perguntas. Desde o feminismo à arte. É como se ouvir e vê-la, trouxesse uma força divina neste mundo tão cruel e pesado, nos elevando, nos suspendendo no ar e então, tornando assim os dias mais leves. E onde estão mulheres como essas? Onde estão as criadoras, as lutadoras, mensageiras? Onde estão as mulheres gênios?

A primeira vez que a vi, estava tocando Chaconne In D Minor Bwv 1004, do compositor barroco alemão Johann Sebastian Bach. Ali, onde ao mesmo tempo em que me faltava o ar de tanta emoção ao ver a musicalidade que transpirava de seus poros e pele, suas veias saltadas no pescoço, no rosto e têmporas, a laringe que subia e descia involuntariamente, é possível observar, por exemplo, sua luta sublime travada entre a emoção incontrolável e a técnica absoluta. Nunca tinha visto nada parecido!


Hélène Grimaud toca "Adagio" - 
Concerto para Piano no.23 de Mozart

Sonata Nº31 Op110, de Beethoven... Que loucura! Hélène traduz o virtuosismo do compositor por si mesmo, elabora as cenas da peça com seus movimentos arquitetônicos, recriando e não tem medo de trazê-la para um aspecto moderno e presente.

Não tenho embasamento para dialogar sobre as técnicas pianistas porque não sou pianista. Mas, em se tratando da música e da arte posso falar com propriedade e é evidente que cada artista, neste caso, cada pianista, tem suas particularidades. Claro que todas as pessoas são diferentes e, se tratando de mulheres, há uma complexidade ainda maior em discutir diferenças, necessidades e processos artísticos.

Mas em relação à Hélène, existe uma transcendência pairando, vista pela minha ótica, numa leitura terna e sem qualquer pretensão, através das execuções das peças e que está além do esforço feminino ou masculino, do material, da técnica, deste plano físico. Hélène é sobre-humana, certamente um alguém evoluído.





Numa apresentação gravada, Concerto em G Maior, de Maurice Ravel, essa lógica da perfeição pode ser assistida como um verdadeiro espetáculo, contando ainda com a enérgica e suntuosa regência do Maestro Vladimir Jurowski. Ao tocar, Hélène se une aos músicos, às notas, ao ritmo, às dinâmicas, como se ela mesma as fosse, compreende as mensagens dos compositores e as revela através de seus gestos, corpo e suspiros.

Penso que Hélène tem uma relação com a música como um elemento a mais, além da terra, fogo, água, ar e o espírito. o som se alinha na atmosfera, Para ela, a música é um elemento inerente à sua construção enquanto mulher e pessoa. Quando toca Concerto No.23 In A Major, K 488 Adagio, de Mozart, sua força e feminilidade são alcançadas pelos ouvidos. Existe uma potência muito contínua em Hélène.

Isso fica tão claro, que executando Sonata em B menor, de Franz Liszt, é como se pudéssemos ver, o próprio Lizst ali tocando e conversando pela sonata, com suas articulações e trejeitos. É absurdo o quanto Hélène internalizou essa obra e tantas outras para ter provocado algum pensamento em mim e em muitos outros com tal sensibilidade. Todas as vezes que ouço, sinto uma quebra muito sutil, uma modificação muito segura e tranquila nos tempos. Chego algumas vezes a comparar as peças. Alegra-me essa característica, a bela mulher constrói sua própria identidade a partir de uma modificação ínfima, dá um silencioso grito simbólico de fuga, a padrões estipulados por um ou outro que tenta repreender a liberdade e a criatividade. 


"Talvez seja exatamente
isso: tantas atrocidades 
ao papel feminino, de
tanta repressão e pre-
conceito, Hélène encon-
trou uma superação, 
uma solução mais sin-
gela para exercer sua
independência e huma-
nidade com autonomia 
na música e possivel-
mente no mundo..."
(Patrícia Santos) 



E, em um mundo como este, onde as mulheres sofreram tanto, como os exemplos do início, é uma esperança viva, ver uma mulher como Hélène caminhando e exibindo tanta virtuosidade. Não importa o quão pobre ou rica uma pessoa seja. Cada pessoa que nasce é destinada a lidar com suas limitações e desafios internos, para se ajustar ao universo como um caminho de aprendizado, para tornar-se alguém melhor do que é. E, como tudo na vida é uma escolha, escolhemos enfrentar ou não. Creio que, para ter chegado a tal grau de entrega e interpretação da música, fez o que muitas mulheres em especialidades e âmbitos diferentes fazem (além de todo o estudo necessário): Hélène lutou muito, principalmente por ser mulher. Lutou consigo mesma e com o mundo. E é só analisar o que significa ser uma pianista MULHER hoje, especialmente com este requinte! Talvez seja exatamente isso, tantas atrocidades ao papel feminino, de tanta repressão e preconceito, Hélène encontrou uma superação, uma solução mais singela para exercer sua independência e humanidade com autonomia na música e possivelmente no mundo...

Sua pacificação e reverência para com a vida, por tudo que presenciamos quando  senta-se ao piano: o encontro das suas mãos com as teclas, formando desenhos iluminados, esculturas no ar. Talvez seja por isso que admiro tanto sua imagem e sonoridade. A saída que Hélène encontrou e tantas outras que também encontraram, para não se deixar apagar nas escuridões internas e alheias, e não se enganar com a vida que nos foi dada, sabendo que é preciso moldá-la no mundo em que se vive, de acordo com as próprias necessidades, penso que Hélène não é só uma pianista mulher. Nesse mundo torpe, ela é uma heroína que, por fim escolheu viver toda a sua força de feminilidade pelo som e jamais se calar diante do mundo, falando através das obras, de seu corpo, mente e alma, mostrando com delicadeza o caminho que a música ensina... A Beleza!

Saiba mais sobre Hélène Grimaud:

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* Patrícia Santos: Estudante de Música e de uma sensibilidade sem tamanho!

















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