O ENVELHECIDO E SUPERADO PENSAMENTO MUSICAL DE THEODOR ADORNO
MESMO NASCIDO EM UM AMBIENTE EXTREMAMENTE MUSICAL, THEODOR ADORNO POSSUÍA UM PENSAMENTO MUSICAL RESTRITO E ULTRAPASSADO. ENTENDA O PORQUÊ!
** Por Maestro Osvaldo Colarusso
Theodor Adorno trilhou os caminhos
do atonalismo e do serialismo vienense.
Theodor Adorno (1903-1969) foi um dos mais importantes filósofos do século XX. Nascido em Frankfurt em 1903 demonstrou desde cedo paixão por duas áreas: a filosofia e a música. Em termos filosóficos sua colaboração permanece ainda como algo de uma enorme importância até os dias de hoje. Junto com outros pensadores como Max Horkheimer, Walter Benjamin e Herbert Marcuse formou o que se chama de “Escola de Frankfurt”, cujo pensamento, altamente complexo, deriva da dialética de Georg Hegel, filósofo alemão que nasceu no século XVIII, e que foi incensado pelos pensadores marxistas no século XX. No aspecto musical Theodor Adorno, nascido num ambiente altamente favorável a seu desenvolvimento musical (sua mãe era uma cantora lírica profissional), estudou composição musical com grandes nomes, dos quais se destaca o compositor austríaco Alban Berg (1885-1935), compositor das óperas Wozzeck e Lulu. Sua afinidade com o pensamento musical da segunda escola de Viena (Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern) o levou a trilhar os caminhos do atonalismo e mesmo do serialismo vienense.
Um filósofo compositor
Alban Berg e Arnold Schoenberg:
os ídolos de Adorno.
Dono de uma formação musical de altíssimo nível escreveu diversas composições, entre as quais se destacam suas obras para quarteto de cordas e para piano. Se compôs sempre de forma esmerada em termos técnicos, a originalidade de suas obras fica bem abaixo do esperado. Sua “Klavierstück” (Peça para piano) de 1921, por exemplo, é uma notória cópia das magníficas “Três peças para piano” opus 11 de Arnold Schoenberg e suas “Três peças para piano” compostas a partir de 1934 são um flagrante plágio das “6 pequenas peças para piano” opus 19 também de Schoenberg. Suas obras para Quarteto de cordas, impecavelmente escritas para esta difícil formação, não contribuem muito para o enriquecimento do repertório camerístico. A imitação de seu mestre, Alban Berg, fica flagrante em obras como suas “Duas peças para quarteto de cordas” de 1925.
Se suas composições, volto a dizer, são impecáveis do ponto de vista técnico, mas pobres de originalidade, os textos filosóficos que escreveu sobre música são, até hoje, referências extremamente importantes. Seu texto “filosófico – musical” mais conhecido em nosso país é “Filosofia da nova música”, lançada no Brasil pela Editora Perspectiva, na tradução razoável de Magda França. Livro de leitura complexa, tem uma introdução brilhante, que é seguida por uma longa confrontação entre a maneira de compor de Arnold Schoenberg (1874-1951) (o capítulo que ele batiza como “Schoenberg e o progresso”) e de Igor Stravinsky (1882-1971) (“Stravinsky e a restauração”). Sua identificação com o compositor austríaco faz com o que o capítulo dedicado a ele seja bem maior do que o capítulo dedicado ao compositor russo, e nos textos fica clara a sua preferência.
A rejeição ao Jazz e a Stravinsky
O compositor russo Igor Stravinsky:
alvo de críticas ferozes de Adorno.
Adorno, que era um severo crítico do Jazz (abominava qualquer fenômeno musical americano) e da música popular, acaba esbarrando em uma dicotomia que está, no mínimo, envelhecida. Primeiro de tudo, dividir o mundo da composição musical da primeira metade do século XX em apenas dois nomes, é de uma pobreza lamentável. Se bem que ele estende o setor musical de Schoenberg a seus discípulos (Berg e Webern), esta “Filosofia da nova música” exclui uma parcela enorme e importante da riquíssima produção musical de seu tempo.
Se o mundo da composição musical se resume apenas à maneira de pensar de Schoenberg e Stravinsky, como se explica então compositores tão importantes e totalmente independentes destes dois músicos como o francês Edgar Varèse e o tcheco Leoš Janácek. Nesta envelhecida e pobre discussão entre Schoenberg e Stravinsky fica de fora um gênio de primeira grandeza como o húngaro Bela Bartók, e, no preconceituoso pensamento do filósofo alemão, ficam de fora também uma lista enorme de gênios como Manuel de Falla, Benjamin Britten, Sergei Prokofiev, Jean Sibelius e tantos outros.
As opiniões de Adorno se afinam à maneira de pensar do compositor Anton Webern, discípulo de Schoenberg, e muito admirado (e imitado) pelo filósofo alemão. Webern em seu livro “O caminho para a música nova”, bem traduzido para o português por Carlos Kater (Editora Novas Metas, esgotado), compilação de diversas palestras que o compositor fez no início da década de 1930, percebemos a enorme pretensão do grande músico em pensar que a forma de conceber música da sua “escola” (Schoenberg e Berg incluídos) é a única.
Se Adorno não foi um compositor brilhante, Webern, apesar de sua belíssima produção musical, é um pensador que esbarra na mediocridade. Mas há algo que os une: Adorno e Webern pensam mesmo em um mundo irreal onde a música e a arte devem uniformemente serem concebidas. Quem não compactuar com eles será desprezado.
Para percebermos a origem desta forma de pensar existe uma carta datada de 1914 de Arnold Schoenberg para Alma Mahler (viúva do grande compositor) na qual ele declara que nada composto fora da produção alemã – austríaca é relevante e chega a considerar a música francesa e italiana de “segunda classe”. Esta maneira antipática dos compositores da assim chamada “Segunda escola de Viena” pensarem, contribuiu bastante para que muita gente achasse sua música pouco “amigável”.
Diversas obras de Arnold Schoenberg, de Anton Webern e de Alban Berg são verdadeiras obras primas. Mas não são as únicas de seu tempo. Os textos sobre música de Theodor Adorno são importantes, mas envelheceram, e merecem ser lidos mais por sua impecável metodologia do que pela discussão em si. Seu livro “Quasi Una Fantasia: Essays on Modern Music”, que denigre a criação de Igor Stravinsky, (que só conheço na versão em inglês), é indigno do grande pensador que foi.
Como existe uma ignorância generalizada em termos musicais no ambiente intelectual brasileiro (vide os artigos que saíram em revistas ditas “especializadas”), e uma falta de interesse no assunto entre os músicos, a lógica do que estou tentando dizer neste texto talvez passe batida tanto num meio quanto no outro.
Mas se posso resumir o que tentei explicitar digo que Adorno, em termos musicais, se equivocou. Prova maior disso é que pouco tempo depois da publicação de “A filosofia da nova música”, em 1949, Stravinsky passou a compor seguindo os moldes de Schoenberg.
Reafirmo que Adorno é um gigante do pensamento filosófico. Livros como Minima Moralia (1945) e Dialética do Esclarecimento (1947) são absolutamente fundamentais. É no seu pensamento musical que sinto algo restritivo e ultrapassado que realmente não pactuo.
Theodor W. Adorno: Piano piece (1921)
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* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo.
** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
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