segunda-feira, 25 de julho de 2016

A TÍMIDA EXTRAVAGANTE CÁSSIA ELLER

ÁCIDA E DOCE. VERDADEIRA. UMA DAS MAIS BRILHANTES ARTISTAS DOS ÚLTIMOS TEMPOS. HÁ 15 ANOS MORRIA CÁSSIA ELLER. ESTE MÊS, MARINA RIBEIRO PRESTA UMA HOMENAGEM AQUELA QUE ERA MÚSICA DA CABEÇA AOS PÉS. 
* Por Marina Ribeiro 


 A voz rouca de Cássia Eller deixou marcas. 

No início dos anos 90, sem internet, sem YouTube, as notícias costumavam demorar mais para chegar. As rádios tocavam uma regravação de Por Enquanto, de Renato Russo, uma canção singela, numa voz forte e grave. Eu lembro da noite em que esta cantora se apresentou em uma casa noturna de Curitiba. O fato de ela ter pisado no palco com um enorme copo de uísque na mão, cuspido para o lado e começado a cantar, não aquela faixa, mas outras, menos suaves, do repertório do seu primeiro disco, causou um congelamento na plateia, que naquele primeiro momento não entendeu nada. Quem esperava a cantora intimista ficou chocado.

O palco era dela e o choque durou pouco, até chegar na tão esperada Por Enquanto, levando a audiência nas mãos. Uma fita demo, com aquela música, tinha sido a porta de entrada na gravadora PolyGram que contratou a cantora, naquele início de década.
“Quando criança, queria fugir com o circo, mas acabei sendo garçonete e cozinheira, aos 18 anos, em Brasília". Um ano mais tarde, fui para Minas Gerais e trabalhei como servente de pedreiro. Fiz massa e assentei tijolos. Quando voltei para Brasília, substituiuma amiga como secretária no Ministério da Agricultura. Fui demitida no terceiro dia. Aí resolvi só cantar.”  Disse Cássia Eller certa vez.
Cássia Eller não era muito conhecida, mas já tinha uma carreira de vários anos em Brasília, cantando em bares e peças. Fez parte do primeiro Trio Elétrico de Brasília e entrou no mundo artístico trabalhando em um dos espetáculos de Oswaldo Montenegro.

Quem a via no palco e a considerava extravagante, tinha uma impressão errada. Era imensamente tímida, daquela timidez que emudece. Não conseguia  falar com as pessoas, odiava dar entrevistas. Mas, ao pisar o palco, acontecia a transformação radical de alguém que não gostava de se mostrar através da fala, mas não tinha qualquer escrúpulos através da música. Adorava o palco, preferia shows intimistas, a ponto de fazer muitos incógnita, para desespero do produtor, cobrando cinco, dez reais pelos ingressos em bares e clubes de cidades pequenas, durante as turnês. Pelo puro prazer de cantar e poder se comunicar com uma audiência mais próxima.

A maternidade foi um marco importante na vida de Cássia, que a fez mudar de postura e atitudes. A chegada do filho, em 1993, fez com que diminuísse o consumo de álcool e drogas e buscasse mais equilíbrio.

Em 1998 Cássia conheceu Nando Reis - um início de uma amizade profunda: “nosso mútuo encantamento se deu imediatamente” nas palavras dele. A partir desta amizade, Cássia iniciou uma nova etapa na carreira. Passou a usar melhor os recursos de sua voz e de seu talento, suavizando seu modo de cantar, em parte pela influência do amigo, em parte porque Chicão disse que ela não cantava, mas berrava! Nando Reis produziu o disco  'Com você... Meu mundo ficaria completo' com a canção “O segundo sol” e foi sucesso. Este novo estilo trouxe mais popularidade e sua carreira ia cada vez melhor.

Cássia Eller foi sincera e autêntica durante toda sua vida.

O ano de 2001 começou fantástico. Foi quando aconteceu a apresentação no Rock in Rio III. Impagável, inesquecível. Ela circulou por ritmos, cantou Nirvana, apresentou um repertório diferente e segurou a audiência de mais de 100 mil pessoas com maestria. Foi a consagração da artista.

Logo após foi convidada para o programa Acústico MTV, o CD, gravado ao vivo, como ela gostava, vendeu 900 mil cópias. Até aquela data, no ano foram 95 shows. Muito trabalho, pouca privacidade, muito estresse. E, em dezembro, ela se foi. Cássia morreu por infarto do miocárdio, aos 39 anos.

Foi casada com Maria Eugênia por 14 anos. Uma das primeiras artistas a assumir a homossexualidade, Cassia afirmou várias vezes que a companheira deveria ter a guarda do filho se alguma coisa acontecesse com ela. A decisão da justiça foi inédita neste caso, garantindo a vontade da mãe, e negando um pedido de guarda do avô.

Uma das vozes mais significativas do país, uma roqueira que cantava todos os ritmos, a tímida que não tinha o menor pudor no palco, artista famosa que cantava por puro prazer. Ácida e doce. Verdadeira. Uma das mais brilhantes artistas dos últimos tempos. Cássia Eller nos falta.






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* Marina Ribeiro é profissional de marketing, atua em comunicação digital e e-commerce e é colaboradora da Revista Keyboard Brasil. Mantém uma loja virtual de roupas infantis e escreve por prazer. Geminiana, seu maior desafio é manter o foco.

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