quarta-feira, 28 de setembro de 2016


NACIONALISMO NA MÚSICA ERUDITA - Parte 3 -
O Reflexo Nacionalista na Música Erudita no Brasil

AQUI NO BRASIL, ATÉ O SÉCULO XIX, NO ÂMBITO DA MÚSICA ERUDITA, NÃO SE PODE AINDA FALAR EM UM NACIONALISMO NOS MESMOS TERMOS QUE VIMOS POR EXEMPLO NA RÚSSIA COM O GRUPO DOS CINCO, NEM COMO NA HUNGRIA DE BARTÓK. OS ACONTECIMENTOS NO ÂMBITO SOCIAL E POLÍTICO DO BRASIL, COMO A TRANSIÇÃO DO IMPÉRIO PARA REPÚBLICA, TAMBÉM O FATO DE SER NAQUELA ÉPOCA AINDA UMA RECENTE EX-COLÔNIA PORTUGUESA, A QUESTÃO ABOLICIONISTA E UM PAÍS COM DIMENSÃO CONTINENTAL COM CADA REGIÃO TENDO SUAS PARTICULARIDADES SÓCIO-CULTURAIS, FIZERAM COM QUE NO BRASIL O NACIONALISMO NA MÚSICA ERUDITA CHEGASSE DE FORMA MAIS LENTA E COMPLEXA. TENTAREI AQUI DAR AO LEITOR UMA VISÃO GERAL DESSE PROCESSO, DESTACANDO OS PRINCIPAIS COMPOSITORES.

* Por Sergio Ferraz

Século XIX – O Nacionalismo romântico...

Em 1857, durante o governo do Imperador D. Pedro II, foi criada a Academia de Música e Ópera Nacional com o objetivo de criar condições para o desenvolvimento da música brasileira, preparando e aperfeiçoando artistas nacionais, realizando concertos e espetáculos em língua portuguesa. No Teatro Provisório, que era destinado a apresentações de Óperas de companhias italianas, começaram também a ser apresentadas óperas brasileiras, todas compostas evidentemente ainda dentro dos moldes da ópera italiana.

Antonio Carlos Gomes (1836-1896), o maior compositor brasileiro do século XIX, reconhecido internacional-mente sobretudo na Itália, onde estreou em 1870 a ópera Il Guarany no Teatro Scala de Milão, foi certamente o primeiro compositor brasileiro a buscar conscientemente uma ligação nacionalista em sua obra, embora essa ligação nacionalista em Carlos Gomes seja apenas no sentido ideológico-literário e não estético-musical.

Carlos Gomes (abertura de "O Guarani") 
Eurasian Symphony Orchestra / The State Chamber Orchestra
"Academy of Soloists" / Daniel Bortholossi, conductor

Em Il Guarany (1870), Carlos Gomes usa como libreto o romance de José de Alencar(1829-1877), uma das primeiras manifestações do brasileirismo literário. Em Lo Schiavo (1889), o esboço inicial do libreto, de autoria do Visconde de Taunay, tratava do problema da escravatura negra. Mas como falamos, em Carlos Gomes o nacionalismo limita-se ao aspecto ideológico-literário, sua música está fortemente baseada na da ópera Italiana, vez por outra flertando com Wagner.

A ideia de uma música erudita brasileira se desenvolveu a passos lentos. Os compositores pós Carlos Gomes comumente empregavam temas folclóricos em suas composições que eram tratados segundo métodos harmônicos europeus, tal qual fazia a geração romântica europeia de meados do século XIX.

A Geração pré Villa-Lobos...
O impulso seguinte, na direção da música nacionalista é dado por Alexandre Levy (1864-1892) e Alberto Nepomuceno (1864-1920). 

Levy, antes da sua partida para a Europa em 1887, interessa-se pela temática nacional, compondo as Variações Sobre um Tema Brasileiro, originalmente para piano e depois orquestrada. Essas variações, baseadas na canção infantil, Vem cá Bitu, é a primeira obra nacionalista depois de Cayumba de Carlos Gomes, e A Sertaneja, de Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913). 

 Variações sobre um tema popular brasileiro de Alexandre Levy, com Eudóxia de Barros ao piano.

Outras peças de Levy como a Sinfonia em mi menor de 1889, já mostra elementos do nacionalismo mais objetivo buscado pelo compositor, que atinge seu ponto máximo na peça, Tango Brasileiro e na Suíte Brasileira, composta de quatro movimentos: “Prelúdio”, “Canção Triste”, “À Beira do Regato” e “Samba”. Lamentavelmente Alexandre Levy morreu aos 24 anos, sem tempo suficiente de amadurecer musicalmente e levar a cabo seus projetos mais ambiciosos.

A Sertaneja op.15, de Brasílio Itiberê da Cunha. Piano: Celso Barrufi Jr.

Alberto Nepomuceno é considerado por alguns pesquisadores como sendo o pioneiro no nacionalismo brasileiro. Nepomuceno, depois de estudos no Brasil, viaja a Europa, onde estudou inicialmente em Roma e depois em Berlin. A sua estada em Berlin pôs o compositor em contato direto com as técnicas composicionais mais recentes. Durante essa época, o compositor pôde também ter contato com o nacionalismo nas escolas europeias.

A obra mais importante de Nepomuceno é Série Brasileira de 1892; trata-se de uma suíte de quatro partes: “Alvorada na Serra”, “Intermédio”, “A Sesta na Rede” e “Batuque”. Nessa obra o compositor também fez uso de temas infantis tradicionais, ritmos de maxixe, e células rítmicas tomadas diretamente de danças afro-brasileiras. Outra obra de Nepomuceno que se liga ao nacionalismo é o prelúdio de O Garatuja , escrito para a comédia musical de José de Alencar, no qual o compositor emprega como tema um lundu.
Alberto Nepomuceno abriu o caminho nacionalista para as gerações seguintes, que viram em sua obra a riqueza do emprego de material de origem folclórica e popular .

Franklin Dantas- Tenor, Milton Colares- Piano, "Jangada" - com versos de Juvenal Galeno e música de Alberto Nepomuceno, foi a última composição deste notável músico cearense.

Outra figura que marcou seu nome na história da música erudita brasileira foi Francisco Braga (1868-1945). Braga, diferentemente dos seus contemporâneos, teve origem pobre. Iniciou seus estudos de música no Asilo de Meninos Desvalidos. Em 1890 ele ganha uma bolsa de estudos do novo governo republicano por sua participação no concurso destinado à escolha do novo hino nacional e parte para estudar na Europa. Suas composições no período em que estudou na Europa revelam uma tendência ao estilo impressionista e também uma certa influência Wagneriana. 

Episodio Sinfonico de Francisco Braga  (1868-1945)  Dir : Benito Juarez

Francisco Braga também foi sensível à causa nacionalista. Diferentemente de Nepomuceno, Braga não faz uso de temas folclóricos nem emprega uma instrumentação étnica à orquestra.  Braga tinha algo que podemos chamar de sensibilidade nacional combinada a uma música elegante e bem acabada.

As obras de Francisco Braga de caráter nacionalista são o Poema Sinfônico Marabá, baseado em poemas de Gonçalves Dias. A ópera Jupirá, baseada no romance de Bernardo Guimarães, a música incidental Prelúdio, Interlúdio, Danças e Coros escrita para o drama O Contratador de Diamantes, de Afonso Arinos. Também, Variações Sobre um Tema Brasileiro (baseado no Gavião de Penacho), Canto de Outono (para orquestra de cordas), o poema sinfônico Insônia e os poemas com coros Paz e Oração.

Continua na próxima edição...


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* Sergio Ferraz é violinista, tecladista e compositor. Bacharel em música pela UFPE, possui seis discos lançados até o momento. Também se dedica a composição de músicas Eletroacústica, Concreta e peças para orquestra, além de ser colunista da Revista Keyboard Brasil.

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