quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Epilepsia   Musicogênica  

A MÚSICA, MAIS DO QUE QUALQUER OUTRA ARTE, TEM UMA REPRESENTAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA EXTENSA, CONTROLANDO NOSSOS IMPULSOS, EMOÇÕES E SENSAÇÕES. POR ISSO, NÃO É DE SURPREENDER O CRESCENTE INTERESSE NA PESQUISA DAS RELAÇÕES ENTRE A MÚSICA E A MEDICINA, COM ÊNFASE À FISIOLOGIA, NEUROLOGIA E À PSIQUIATRIA. A REVISTA KEYBOARD BRASIL MANTÉM ESSA COLUNA, PARA QUE O NOSSO LEITOR, SINTA-SE INFORMADO SOBRE O GRANDIOSO UNIVERSO QUE É A MÚSICA!

 *Redação

Hoje falaremos sobre a Epilepsia Musicogênica – um quadro onde crises epilépticas são desencadeadas por estímulos musicais. Trata-se de uma afecção rara, estimada em 1 caso em cada 10 milhões de pessoas (ocorrendo, geralmente, após os 20 anos de idade). Muitos estudos indicam que esses pacientes são pessoas que apreciam música.

A Epilepsia Musicogênica, tanto o quadro quanto o nome, foi descrita cientificamente pela primeira vez em 1937, num estudo de Macdonald Critchley com 11 casos de pacientes (alguns músicos, outros não) que sofriam ataques epilépticos induzidos por música, como o do operador de rádio de navio transatlântico que precisou mudar-se para um navio menor, sem orquestra a bordo, e a do crítico musical que abandonou a profissão e escreveu o ensaio Medo de Música.

Segundo o norte-americano Oliver Sacks (1933 – 2015) – neurologista, escritor de diversos livros e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, o caso mais impressionante foi o de um eminente crítico musical do século XIX, Nikonov, que sofreu seu primeiro ataque durante a apresentação da ópera O Profeta, de Meyerbeer. Dali por diante, Nikonov foi se tornando cada vez mais sensível à música até que, por fim, quase toda música que ouvia, por mais suave que fosse, causava-lhe convulsões. Curiosamente, a mais nociva de todas as músicas epileptógenas era o fundo musical de Wagner.

Por que a música pode ser tão prejudicial? Algumas epilepsias ocorrem quando há um tilt em uma rede de neurônios que trabalham juntos para realizar uma tarefa específica. No caso da epilepsia musicogênica, o problema parece acontecer nas células envolvidas na apreciação musical. Elas ficam excitadas demais, e aí vem a convulsão. Em alguns casos, o ataque é provocado por músicas mais ritmadas ou dissonantes. Mas, também, pode ser desencadeada por melodias muito marcadas na memória.

Foi o que aconteceu com Sílvia N., uma imigrante italiana atendida por Oliver Sacks. Sílvia foi encontrada inconsciente, depois de escutar um CD de músicas napolitanas que ouvia na infância. Toda vez que entrava em contato com essas canções, tinha a sensação estranha de voltar à adolescência. Em seguida, convulsionava. O pior eram as festas de casamento da família: “A banda começava a tocar e eu saía correndo. Tinha meio minuto para me safar”.


Depois, as crises passaram a vir mesmo sem músicas, e nenhum medicamento surtia efeito. A única opção foi submeter-se a uma cirurgia para retirar a parte lesionada do cérebro. Assim, pode voltar às festas italianas sem medo de desmaiar com alguns simples acordes.

O mesmo aconteceu com a estudante americana Stacey Gayle – que após ser submetida a uma cirurgia no cérebro para a retirada de um pedaço do tamanho de um pequeno ovo de seu cérebro, voltou às baladas de Hip Hop e ao coral na igreja. 

CASO RECENTE:
Stacey Gayle compreendia muito bem música e até participava do coral gospel de sua igreja, em Nova York. Mas tudo mudou em 2005 quando, aos 21 anos, começou a ter misteriosas convulsões. Ela desconfiava do que poderia causar os ataques, mas não tinha coragem de contar aos médicos. Afinal, o motivo parecia bizarro demais: sempre aconteciam segundos depois de começar a ouvir a música Temperature, do rapper jamaicano Sean Paul. 

Desde então, Stacey passou dois anos fazendo diversos tratamentos, nenhum com sucesso. Seus médicos decidiram colocá-la por 4 dias sob monitoramento, com eletrodos colados na cabeça, em um quarto silencioso do hospital. Mas nada acontecia, como Gayle já previa. Até que a jovem decidiu ‘‘provocar’’ as convulsões. Pediu à equipe médica que a deixassem pegar seu iPod para ouvir Temperature. Na mesma noite, teve 3 ataques. 

Não demorou para que sua epilepsia degringolasse e perdesse sua seletividade. Primeiro foram músicas de R&B e Hip-Hop, como Umbrella, de Rihanna. Depois, foi piorando, até quase todo tipo de música (entre elas, ringtones de celular) causar ataques. Só passava incólume ao Jazz e à música erudita. Gayle foi um dos 150 casos até hoje conhecidos de “musicolepsia”, ou “epilepsia musicogênica”. 


TIPOS...

Há três tipos de epilepsia denominada musicogênica. O primeiro é quando a crise epiléptica surge como uma resposta à surpresa musical, podendo acontecer diante de algum outro estímulo sonoro; o segundo, em resposta a estímulos musicais intoleráveis para a pessoa, sons que produzem desagrado e, finalmente, o terceiro tipo e o mais raro, provocado por um estímulo de caráter monótono.

O fato de diferentes tipos de crises coexistirem significa um indício fisiopatológico particularmente importante, por permitir a interpretação da epilepsia musicogênica como “o efeito da música sobre um cérebro previamente epiléptico.” Ou seja, não é a música, propriamente dita, quem causa a epilepsia. 

Essas crises epilépticas musicogênicas, em geral, são do tipo parcial complexas, com frequente generalização secundária, comumente coexistindo com outros tipos de crises epilépticas. A epilepsia parcial é caracterizada por convulsões de descargas elétricas focais que se originam em uma porção de um hemisfério cerebral, acompanhadas por rebaixamento da consciência. 

A crise se manifesta como se a pessoas estivesse “alerta” mas não tem controle de seus atos, fazendo movimentos automaticamente. Durante esses movimentos automáticos involuntários, a pessoa pode ficar mastigando, falando de modo incompreensível ou andando sem direção definida. Em geral, a pessoa não se recorda do que aconteceu quando a crise termina. Esta é chamada de crise parcial complexa.

Através do eletroencefalograma desses pacientes, descobriu-se que as alterações elétricas registradas ocorrem, geralmente, nas áreas temporais, em ambos os hemisférios.

Essas pesquisas sobre estimulações elétricas realizadas em pacientes portadores de epilepsia do lobo temporal têm contribuído também para o conhecimento das funções musicais. Lesões e disfunções do lobo temporal podem incapacitar seriamente as habilidades musicais, como o canto ou a execução de sons, reconhecimento de sons e manutenção de ritmos.

Outras pesquisas envolvendo epilepsia e música também têm merecido especial atenção, mas isso é um outro assunto, para uma próxima matéria.








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