segunda-feira, 22 de maio de 2017

Débora Halász Talento brasileiro tipo exportação

* Por Heloísa Godoy Fagundes

VENCEDORA DE INÚMEROS PRÊMIOS, DENTRE ELES, O TROFÉU APCA E O GRAMMY LATINO, DÉBORA HALÁSZ, PIANISTA BRASILEIRA RADICADA NA ALEMANHA HÁ QUASE 30 ANOS, ESTÁ ENTRE AS PRINCIPAIS PIANISTAS LATINO-AMERICANAS DA ATUALIDADE. A REVISTA KEYBOARD BRASIL TRAZ, ALÉM DA MATÉRIA, UMA ENTREVISTA EXCLUSIVA!

Débora Halász, pianista e cravista, começou a estudar piano aos 6 anos de idade. Aos 10 anos, ganhou seu primeiro concurso e entrou para a Academia Magdalena Tagliaferro. Elogiada por Ingrid Haebler como “um dos talentos mais promissores do mundo pianístico”, estudou no Brasil com Beatriz Balzi e Myrian Daueslberg.

Conquistou vários concursos nacionais, como o  Sul América e o Chopin. Aos 15 anos, fez sua estreia nos palcos junto à Osesp - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo após vencer o concurso de Jovens Solistas. Aos 19 anos, recebeu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) o prêmio de melhor solista do ano com o concerto para piano n.º 3 de Rachmaninoff.

Após fazer bacharelado em Direito na Universidade de São Paulo (USP), a pianista ganhou uma bolsa do DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdients (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) para se aperfeiçoar na Musikhochschule de Colônia com Pavel Gililov.

Ao longo de sua carreira, a artista tem se apresentado em festivais e séries de concertos por diversos países da Europa, Estados Unidos, Ásia e, também, na América Latina. Radicada na Alemanha há quase 30 anos, Débora Halász é docente na Hochschule für Musik und Theater de Munique. 

Em sua discografia, estão obras de vários compositores, como Alberto Ginastera, Dimitri Schostakovich, Hans Werner Henze, Carlos-Seixas e outros. A pianista também gravou 4 cds com a obra completa de Villa-Lobos para piano e este trabalho foi aclamado pela imprensa internacional como “a melhor interpretação de Villa-Lobos já realizada em disco” (Fanfare – EUA). Para o American Record Guide: “impossível imaginar uma advogada mais poderosa para esta música. Seu brilhante pianismo dá vida a todas as notas”.

Desde 1993, forma com o marido, o alemão Franz Halász, um duo de violão e piano, o Duo Halász. Em 2015, o Duo recebeu o Latin Grammy na categoria de Melhor Álbum de Música Clássica pelo cd “Alma Brasileira”, dedicado à obra de Radamés Gnattali.


Atualmente Débora Halász faz parte do time de talentos da ¹Virtuosi Produções Artísticas. 

ENTREVISTA...
Revista Keyboard Brasil – O que significa a música para você?
Débora Halász – A música, desde a minha infância, sempre foi parte da minha vida. Eu diria que ela praticamente determinou o andamento das coisas porque, desde cedo, eu me acostumei a dedicar um tempo significante a ela. Enquanto outras crianças brincavam na rua ou meus amigos, mais tarde, aproveitavam as férias viajando, eu passava este tempo estudando piano, me preparando para concursos ou concertos. É como se ao  lado do mundo "normal" eu coexistisse em um mundo aonde os sons musicais e o convívio com meu instrumento produzissem outras emoções, dessem outras asas aos pensamentos, estimulassem outras ideias, imagens, me fizessem companhia, me dessem conforto, soluções ou novas perguntas. E tantos anos viajando neste universo musical, sobretudo tendo a sorte de tocar um instrumento aonde o repertório é desta riqueza e dimensão inesgotáveis faz com que eu não saiba, talvez, me definir sem considerar a música que habita dentro em mim. Naturalmente, existem inúmeras outras coisas que me fascinam  na vida, no planeta e no convívio com outros seres e eu poderia imaginar, sem grandes problemas, uma vida sem o exercício da música como profissão, mas ela continuaria pulsando dentro das minhas células e influenciando minha consciência.

 Revista Keyboard Brasil – Fale um pouco sobre a música em sua família. Soubemos que sua avó tocava piano. Então, como foi sua infância nesse sentido?
Débora Halász – Meus avós paternos eram húngaros. Meu avô tocava violino e minha avó piano, mas como hobby. Chegaram a tocar em cinema mudo no início de vida aqui no Brasil para ganhar algum dinheiro. Meu avô materno era músico profissional mas ele faleceu antes de eu nascer. Com minha avó, a que tocava piano, eu tive uma convivência forte e ela me ensinava músicas populares húngaras no piano e vários chorinhos. Ela tocava os Choros de Zequinha de Abreu e Ernesto Nazaré de forma extraordinária. Eu esquecia do tempo ali. Ela tocava e eu repetia. Aprendia muitas coisas de ouvido porque das músicas húngaras ela não tinha partituras. Eu tinha sete, oito anos e tinha um repertório enorme de chorinhos por causa dela. Ela também tocava acordeom, cantava, dançava. Talvez tenha sido importante experimentar a música assim na infância desta forma tão prazerosa e alegre.

Revista Keyboard Brasil – Quais suas lembranças musicais mais antigas? O que se ouvia?
Débora Halász – São as aulas de piano que minha irmã recebia. Eu tinha uns três ou quatro anos e ficava ouvindo e olhando as aulas pela fresta da porta. Também tínhamos uma vitrola grande, um móvel, e muitos discos bem antigos, eram uns discos duros que existiam antes do vinil. Tinham umas gravações fantásticas ali como a obra de Chopin, os concertos com orquestra, também os concertos de Mendelssohn e Tchaikowsky para violino... Eu acho que meus avós tinham trazido grande parte da Europa. Ouvir aqueles discos era algo especial.

Revista Keyboard Brasil – Quem são seus compositores preferidos?
Débora Halász – Ter preferências significaria, de alguma forma, exclusão. Existem tantos compositores geniais, desde a Renascença, não haveria razão para dar preferência a alguns. Eu me deixo seduzir tanto pelos compositores conhecidos como pelos menos conhecidos e também pelos totalmente desconhecidos. Isto torna o trabalho muito mais excitante. O interessante é o envolvimento com a linguagem musical em si. Talvez eu tenha uma admiração especial por Brahms e Mahler, da forma como os mais profundos sentimentos encontram sua sublimação perfeita dentro daquele desenvolvimento harmônico. E existe a admiração também por Rachmaninov e Scriabin, pela forma como conseguiram explorar, de maneira brilhante, as possibilidades do piano moderno.  

Revista Keyboard Brasil – Certa vez você disse que ''O Brasil precisa aprender que música clássica é produto de exportação''. O Brasil é um celeiro de excelentes músicos e muitos fazem carreira fora do país, justamente porque aqui não há o espaço necessário, não se dá o valor necessário para que possam viver do seu trabalho. Na sua opinião, o que seria fundamental para reverter esse quadro?
Débora Halász – Bem, acho que o primeiro passo para se reverter qualquer quadro é tomar consciência dele. As pessoas sempre falam das riquezas naturais do Brasil, mas ninguém fala da riqueza humana. O problema crucial do Brasil é a educação, ou melhor, a falta de investimento na educação. Existe um apoio desproporcional às artes populares, de resultados rápidos e votos fáceis... Todas as outras expressões de cultura mais elaborada, a música erudita, literatura, artes plásticas, dança, teatro, etc... são negligenciadas. Não existe um planejamento nas verbas públicas que garantam continuidade à produção e à educação artística. E, justamente são através destas artes que um país é identificado e se torna respeitado. Na educação pública, é necessário dar a oportunidade a todos os cidadãos para  descobrirem e desenvolverem seus talentos. E, naturalmente de poderem trabalhar com isto. É isto que torna um país rico!!

Revista Keyboard Brasil – De todos os prêmios que você ganhou, qual você considera o mais importante?
Débora Halász –Todos foram importantes, uma recompensa pelo trabalho feito e motivação para os próximos. O prêmio Eldorado talvez tenha me dado, naquele momento, as melhores chances porque logo depois eu recebi a bolsa do DAAD para me aperfeiçoar na Alemanha, mas naturalmente o mais significativo foi o Latin Grammy por ter sido uma escolha entre todos os artistas e regravações realizadas mundo afora e muito poucos solistas até hoje terem ganho o prêmio.

Revista Keyboard Brasil – Você também é formada em Direito pela USP mesmo tendo a música como companheira desde a infância. Chegou a exercer essa profissão também? Fale sobre isso.
Débora Halász – Eu me decidi, ainda na escola, que seria importante ter uma outra profissão, justamente porque considerava, na época que eu era jovem, a carreira de músico muito incerta e arriscada no Brasil. O Direito foi uma escolha sem paixão, uma Faculdade que não me custava muito tempo nem esforço mas foi um ambiente muito estimulante intelectualmente, não pelos estudos, mas pelos colegas que conheci ali, por todas as discussões políticas, filosóficas, literárias... Eu fiz alguns estágios durante a Faculdade e fiz até o exame da OAB mas não cheguei a exercer a profissão porque logo depois de formada me foram apresentaram  perspectivas de seguir com a música no exterior.

Revista Keyboard Brasil – Até bem pouco tempo, a obra de Radamés Gnattali não era muito conhecida, mas hoje vários músicos têm apresentado ao  mundo a sua obra, como o Quarteto Gnattali e os pianistas Luís Rabello e Hércules Gomes. Como você conheceu?
Débora Halász – Eu realmente não conhecia praticamente nada do Gnattali quando vivia no Brasil. Conhecia o nome mas existia um certo preconceito no ar. Uma certa desvalorização. Eu realmente me surpreendi com a qualidade da obra quando ouvi Gnattali tocado pelo pianista canadense Marc Andre Hamelin. Aí comecei a buscar as partituras, o que é bastante complicado de conseguir, sobretudo fora do Brasil porque não estão editadas, e com isto surgiu a ideia do disco, Alma Brasileira, ganhador do Grammy Latino.

Revista Keyboard Brasil – A série de discos dedicada a Villa-Lobos (1887-1959) recebeu excelentes críticas (o trabalho foi considerado pela revista americana Fanfare "a melhor interpretação de Villa-Lobos já realizada em disco"). Como surgiu a ideia para realizar esse trabalho?
Débora Halász – Eu tinha me preparado para gravar um disco de Villa-Lobos, que acabou sendo o primeiro da série mas quando cheguei na Suécia para gravação, o chefe da Bis Records não me deixou muita escolha e me convenceu a ampliar o projeto a um número muito maior de discos. Foi fantástico este envolvimento com a obra de Villa-Lobos. Ele era um compositor genial e muito criativo! Nunca se torna repetitivo.

Revista Keyboard Brasil – Fale sobre o Duo Halász, que fundou em 1993 com o seu marido, o violonista Franz Halász.
Débora Halász – Nós nos conhecemos e casamos em 1991, ainda estudantes, mas logo veio a ideia de fazermos um trabalho juntos.  Começamos a pesquisar o que havia de repertório e a nos apresentar juntos. Gravamos nosso primeiro disco em 1994. O Franz é um violonista maravilhoso e com grande sonoridade. Apesar do piano moderno ser muito mais potente, eu não sinto diferença quando toco com ele ou com um instrumento de corda. E como tudo no casamento deu certo, o Duo musical também continuou....

Revista Keyboard Brasil –  Você também formou um quinteto (violão, piano, violino, contrabaixo e bandoneon) com músicos de Munique, da formação de tango. O que pode nos falar sobre isso?
Débora Halász – Este Quinteto surgiu através de um concerto que eu organizei na Faculdade em homenagem a Piazzolla. Nós tocamos no final do programa na formação que Piazzolla utilizava. Foi um sucesso espantoso. E nós nos entendemos tão bem que resolvemos levar a ideia adiante. Todos vivem em Munique apesar de ninguém ser daqui e todos são músicos excelentes com a ambição de fazer um trabalho de alta qualidade. Uma formação assim de câmara, quando todos buscam  o ideal da perfeição e deixam seu temperamento fluir é um acontecimento único.

Revista Keyboard Brasil – Como é sua rotina de estudos? Pratica todos os dias?
Débora Halász – Eu não tenho tempo para praticar todos os dias porque também leciono e viajo muito e também porque na minha vida a única rotina é passear com meu cachorro. Com o tempo a gente também aperfeiçoa a forma de estudar e as horas diárias da juventude se tornam desnecessárias. É um estudo muito mais efetivo.

Revista Keyboard Brasil – Continue a frase: "A música tem o poder de..."
Débora Halász – transcender a insignificância da existência humana.

Revista Keyboard Brasil – O foco da Revista Keyboard Brasil é o mundo das teclas, pioneira no mercado digital brasileiro. Poderia nos dar sua opinião a respeito de nosso trabalho?
Débora Halász – Toda a iniciativa de divulgação cultural é digna de reconhecimento, ainda mais com todas as dificuldades que o país apresenta neste sentido. Vocês estão de parabéns por realizar um trabalho assim sério e profissional.

Revista Keyboard Brasil – Projetos futuros?
Débora Halász – Projetos demais! O problema é dar conta. Estamos no andamento do nosso primeiro CD com o Quinteto, com obras de Piazzolla e com o Duo queremos reunir composições novas e exclusivas de compositores brasileiros e latino-americanos para nossa próxima turnê. Quero me dedicar também à gravação da obra para piano solo de Frank Martin. E comecei a compor! Gostaria de poder dedicar mais tempo à isto.

SAIBA MAIS SOBRE DÉBORA HALÁSZ:





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* Heloísa Godoy Fagundes é pesquisadora, ghost writer e esportista. Há 20 anos no mercado musical através da Keyboard Editora e, há 10 no mercado de revistas, tendo trabalhado na extinta Revista Weril. Atualmente é publisher e uma das idealizadoras da Revista Keyboard Brasil - publicação digital pioneira no Brasil e gratuita voltada à música e aos instrumentos de teclas.







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