sexta-feira, 3 de março de 2017

BRASIL, UM PAÍS SEM AUTOESTIMA, POSSUI O SEU “COMPOSITOR NACIONAL”?

ENTENDA PORQUE A IDEIA DE EXISTIR UM “COMPOSITOR NACIONAL” EM UMA SOCIEDADE COMO A NOSSA PARECE SOAR ESTRANHA.

* * Por Maestro Osvaldo Colarusso

“Compositor nacional”: muitas nações possuem um...

Ao chegar de trem em Praga, capital da República Tcheca, me chamou a atenção de que os avisos sobre saídas e chegadas dos trens são sempre prefaciados pelas quatro primeiras notas do poema sinfônico “Vyšehrad” do compositor Bedrich Smetana (1824-1884).


Smetana foi o primeiro compositor nacionalista tcheco e sua luta pela independência de seu país, que na época fazia parte do Império Austríaco, lhe custou alguns anos de exílio na Suécia. “Vyšehrad” é o primeiro poema sinfônico do ciclo de seis poemas sinfônicos “Minha pátria”.

“Vyšehrad” é um penhasco mítico para os tchecos (bem perto do centro de Praga), e acredita-se que lá está a essência do povo tcheco. Os notáveis tchecos estão todos enterrados lá, inclusive os maiores músicos do país como Smetana, Dvorák e Rafael Kubelik. A lógica da escolha da vinheta foi mesmo genial e deixa pouco espaço de dúvida: Bedrich Smetana é o compositor nacional tcheco. 

Outro claro exemplo de um compositor nacional amado por seu povo é o finlandês Jean Sibelius (1865-1957). Ele foi um intelectual ativo para a independência da Finlândia que só aconteceu em 1917 (fazia parte do Império Russo) e utilizou em diversas de suas obras a inspiração da Kalevala, a epopeia nacional de seu país. 

Até que a Finlândia aderisse ao Euro em 2002, sua figura aparecia nas cédulas de 100 marcos finlandeses e, em 2015, quando se comemorou os 150 anos de seu nascimento, uma multidão de milhares de pessoas foi ao centro de Helsinque, mesmo com um frio congelante, cantar a melodia central do poema sinfônico “Finlândia”, composto por Sibelius nos anos de luta pela independência. Não há dúvida: Sibelius é o compositor nacional finlandês. 

Sem ser exaustivo no assunto encontramos exemplos similares (mesmo que não tão explícitos), na Noruega (Grieg), na Itália (Verdi), na Romênia (Enescu), na Dinamarca (Nielsen) e na Espanha (de Falla). Em certos países fica difícil definir apenas um compositor nacional, como na Rússia, que tem pelo menos três candidatos fortes para ser seu compositor nacional: Glinka, Mussorgsky ou Tchaikovsky. A pergunta relevante para nós brasileiros sobre o assunto é: - existe nosso “compositor nacional”?

O Brasil tem um “compositor nacional”?

Em uma sociedade como a nossa que, em geral, vive e convive com hábitos que nos afastam de uma plena cidadania, e que não resolve problemas básicos de educação e cultura, parece soar estranha a ideia de existir um “compositor nacional”. Até mesmo, do jeito que o brasileiro pensa e age, dar o título de compositor nacional a alguém pode fazer com que este criador seja mesmo visto como suspeito (ganhou propina para ocupar este “cargo”?). 

Chegamos à pergunta básica: como termos um sentimento cívico frente a um compositor se o civismo é enxergado com estranheza? Na primeira metade do século XX, havia um “compositor nacional brasileiro”: Antônio Carlos Gomes (1836-1896). Motivos não faltavam: um compositor de família humilde nascido no interior de São Paulo (Campinas) conseguiu fama e respeito em importantes centros musicais europeus, e sua obra mais famosa, O Guarany, retratava um nativo brasileiro. Não é à toa que quando Getúlio Vargas instituiu, em 1938, a “A voz do Brasil” (aquela tradicional rede radiofônica diária das 19 horas, lembram?) a vinheta era, e permanece, a abertura da famosa ópera de Carlos Gomes. Ele teria sido destronado por Villa-Lobos? Talvez sim. Mas a reverência que se vê em diversos países decididamente não existe aqui. Sinal disso é que nem Carlos Gomes e nem Villa-Lobos estiveram presentes na abertura da Olimpíada do Rio em 2016, e numa sondagem feita por um telejornal, a maioria das pessoas nem tem ideia de que Carlos Gomes foi um compositor. 

Num país corrupto e sem autoestima creio mesmo que a questão de existir um “Compositor nacional” soa, para a maioria, tão aborrecida e distante quanto o programa “A voz do Brasil”.

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Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado com solistas do nível de Mikhail Rudi, Nelson Freire, Vadim Rudenko, Arnaldo Cohen, Arthur Moreira Lima, Gilberto Tinetti, David Garret, Cristian Budu, entre outros. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.

** Texto retirado do Blog Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo.




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